*Conceição Cinti
Minha abordagem sobre a referida condenação poderia até parecer extemporânea não fosse a importância da sentença inédita. Feliz e necessária a Decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de São Paulo. E as declarações da ministra NANCY ANDRIGHI nos remetem para uma dimensão mais nobre: a preventiva e a terapêutica de um tema que carece de amparo legal permanente.
O STJ fez justiça num caso concreto, trazendo à tona uma questão muito delicada e complexa porque passa impreterivelmente pelo crivo subjetivo do ser humano; apesar disso, semeou no solo da justiça o embrião da esperança para milhares de vidas arruinadas, pela ignorância dos pais simples, ou dos irresponsáveis, indiferentes e gananciosos pais poderosos economicamente.
"Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos", argumentou a ministra Nancy Andrighi.
Juízes idôneos e zelosos, empreendendo esforços na construção da humanização da Justiça como instrumento capaz de assegurar a harmonia num dos mais importantes redutos da sociedade: a família, onde relacionamentos e afetos mal conduzidos geram deformidades na alma (alma compreendida aqui como pensamentos, emoções e sentimentos), que na maioria das vezes alteram irremediavelmente o destino do ser humano podendo causar danos irreparáveis as pessoas.
O direito ao uso do sobrenome do pai lavrado na certidão de nascimento do filho se constitui no primeiro e mais importante legado dos pais aos filhos e a ausência desse assentamento sujeita esse filho à marginalização que dificilmente não ocasionará um constrangimento/ressentimento psicoemocional, moral inominável e desmesurado. Milhares de filhos, milhões deles ruíram vencidos por essa guerra brutal e injusta ao longo da história da humanidade.
Essa luta precisa avançar até que nenhum filho necessite se expor ou se humilhar para ter acesso a direitos adquiridos naturalmente, por consanguinidade. E a busca pelo afeto do pai por parte dos filhos também sempre foi e continuará sendo uma necessidade subjetiva inerente do ser humano, sobretudo, nessa penosa e antiga luta dos filhos desapoiados.
O afeto do pai é a conquista, o anseio que todo filho sonha desfrutar um dia, por essa razão não podemos arrefecer. Feliz é a Nação cujos magistrados se empenham para que o texto frio da lei seja humanizado para promover mais justiça. Por isso merece destaque a posição da Terceira Turma do STJ. E mais, como não existem restrições legais à aplicação das regras relativas à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar, no direito de família, a indenização nesse caso é a contra partida ao direito de liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos para depois abandoná-los à mercê do destino e sob responsabilidade exclusiva das mães. Além desse fato se constituir também numa violência contra as mulheres.
Se um pai não consegue por motivos pessoais amar o filho que por liberdade própria assumiu o risco e contribuiu para que nascesse, esse pai deverá responder financeiramente pelos cuidados para com esse filho.
Lógico que para os filhos não haverá cifra que cubra a carência desse afeto, mas o dano material gerado pelos cuidados com esse filho, a indenização ajudará a suprir. Por exemplo, garantindo uma educação de qualidade, um bom plano de saúde, uma melhor qualidade de vida é um ganho positivo que poderá minimizar a cruel sensação de inferioridade diante dos demais filhos. Lógico que isso é apenas um arranjo que sempre deixará o filho excluído muito aquém do seu direito e do pretendido e imprescindível afeto. Entretanto, há casos que não há mesmo alternativas.
Seria injusto e insultuoso permitir aos pais economicamente poderosos se livrar do encargo de custear a manutenção desse filho nas mesmas condições que os demais, sobrecarregando e causando um desgaste emocional a mais para a pessoa da mãe que por causa da rejeição do pai na vida do filho também arcará com mais essa dor.
A questão dos sentimentos ainda é um tema pouco abordado dentro do Direito Pátrio, mas que precisa urgentemente entrar definitivamente para o contexto da justiça e não pode ser banalizado porque a prática tem revelado que são os sentimentos feridos, rejeitados, ignorados que têm vitimado de maneira perversa a família.
Nessas mais de três décadas lidando com dependentes em SPA e ou delinquentes pude constatar que na maioria dos casos sem distinção de status social a indiferença dos pais é a chave, que dá acesso as grandes tragédias, obviamente somadas em muitos casos a fatores estruturais, de base e até predisposição de ordem endógena.
*Conceição Cinti. Advogada. Educadora. Especialista em Tratamento de Dependentes de Substâncias Psicoativas, com experiência de mais três décadas.
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