domingo, 28 de abril de 2013

Visita íntima ao menor em conflito com a lei


                                                       


* Conceição Cinti

A garantia do direito à visita íntima ao adolescente em cumprimento de medidas socioeducativa privativa de liberdade com certeza será motivo de muitas especulações e polêmicas por parte da mídia populista, dos leigos e dos desinformados sobre as necessidades básicas inerentes a cada ser humano desde seu desenvolvimento intrauterino.
A reflexão sobre a importância da ‘concessão’ da visita íntima, prestes a ser estendida a esses adolescentes, conforme princípio do atendimento integral previsto na constituição específica para infância e adolescência, deve ser feita levando-se em consideração que o afeto e o toque são condições imprescindíveis para o pleno desenvolvimento do ser humano. E que ao serem negadas, principalmente na fase da adolescência, podem trazer consequências negativas que precisam ser levadas a sério no momento da elaboração de medidas protetivas e socioeducativas.
Sabendo que a afetividade faz parte do processo de desenvolvimento estrutural epsicológico do ser humano, sem ela não é possível construir de forma plena a base da personalidade nos primeiros anos de vida, correndo o risco, inclusive,de que aquilo que acontece ao indivíduo neste período seja refletido na adolescência e na fase adulta. Os registros no inconsciente ou a ausência das relações entre pais e filhos podem causar graves transtornos afetivos e emocionais, portanto, a afetividade é a gênese de todo relacionamento humano e talvez a nossa primeira forma de se inserir no mundo e interagir com ele.
Diante desses fatos cientificamente comprovados de que a afetividade é primordial na formação psíquica do indivíduo e que sem ela há um desvio na conduta da personalidade do ser humano (apenas variando em intensidade por causa do princípio da unicidade de cada pessoa), é imprescindível a existênciade um vínculo afetivo saudável, de uma referência que dê suporte na formação da criança, que pode ser os pais ou uma pessoa que desempenhe um papel importante nos seus primeiros anos de vida. Assim sendo, os carinhos da mamãe (biológica, adotiva, afetiva ou a mãe social que indica aquela pessoa que é a responsável e cuida efetivamente e afetivamente das criança, é a terminologia mais usada para essa mamãe pelas instituições sem fins lucrativo) serão a base e o porto seguro para uma adolescência mais saudável. Por outro lado, a privação do afeto por parte dos pais ou responsáveis, assim como a ausência de uma estrutura familiar adequada durante os primeiros anos de vida, irão comprometer o amadurecimento emocional do adolescente e futuramente do adulto.
Entretanto,na prática, sentimentos e emoções são banalizados, subestimados e em geral estão presentes na base dos conflitos existenciais e quase sempre são os responsáveis pelos crimes, principalmente, os hediondos, salvo, algumas patologias mentais. Segundo Biddulph (apud James Prescott p.122), estudos feitos em diferentes sociedades constataram que nas sociedades onde as crianças recebem menos toque físico e pouco afeto há mais violência por parte dos adultos. Através desse fenômeno cientifico se comprova de forma irrefutável que quanto mais segura e amorosa for a vida da criança, mais afetuosa e estável emocionalmente ela vai ser na fase adulta. Pesquisas têm revelado ainda que pessoas que cometem crimes quase sempre estão envolvidas numa história de rejeição, humilhação e tiveram uma infância permeada por desajustes de toda ordem.
Ao pensarmos nos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas constatamos que a privação que eles passam não é medida apenas pela presença de altos muros que os separam do mundo lá fora, mas há também uma privação de afeto. Essa falta de afetividade é um reflexo da omissão do Estado, que através das suas políticas públicas inadequadas em nada têm contribuído para a efetivar ressocialização e reinserção desses meninos e meninas na sociedade. Ao invés de garantir o afeto e o acompanhamento dos pais e familiares durante todo o processo de cumprimento das medidas privativas de liberdade, o Estado e seus representantes insistem em políticas repressivas, de maus tratos e torturas.
E porque os pais e familiares, peças fundamentais para a recuperação dos adolescentes em conflito com a lei, são impedidos e têm suas presenças dificultadas nesse acompanhamento? Porque as unidades de cumprimento de medidas socioeducativas funcionam em flagrante desrespeito à Constituição e ao Estatutoda Criança e do Adolescente (ECA), que na teoria são efusivamente defendidos, mas na prática funcionam para ‘Inglês ver’. Uma prova disso é a distância entre a unidade onde o adolescente cumpre medida e a comunidade onde ele mora, dificultando a visita dos pais e familiares e, consequentemente, enfraquecendo o vínculo e a convivência familiar e comunitária. É nesse momento que o Conselho Nacional de Justiça deve ser acionado para que seja determinado que o adolescente cumpra a medida socioeducativa na comarca em que reside.
Constituindo-se a afetividade como um conjunto de reações psíquicas do indivíduo frente ao mundo exterior que se traduz através das emoções e sentimentos e cuja manifestação se polariza entre os extremos, como a dor e o prazer; a satisfação e a insatisfação; o agrado e o desagrado, a alegria e a tristeza, conforme diz Ferreira (1999.p.62); sua presença ou ausência é capaz de alterar o modo como cada pessoa se relacionará consigo mesmo e com o mundo exterior. Por essa razão, cuidar adequadamente das emoções e sentimentos é imperioso como uma forma de evitar tragédias.
Por essa razão o histórico de vida de uma pessoa privada de liberdade, seja ela adolescente ou adulta, deveria ser a peça mais importante dentro do contexto de um Programa Restaurativo e de Ressocialização, sendo imprescindível a análise sistemática do comportamento humano para a aplicação da metodologia mais adequada, afinal, sabemos que os problemas emocionais têm raízes no início da vida e por essa razão os hábitos de comportamentos adquiridos nessa fase são reversíveis, mas extremamente difíceis de serem modificados na vida adulta, necessitando de espaço físico adequado e muita persistência por parte da equipe multidisciplinar técnica ecientíficaEssa transposição é possível, conforme podemos constatar através dos estudos científicos de alguns especialistas na área, dente eles o renomado médico Augusto Curi, através de sua Teoria Multifocal. 
A permissão da visita íntima aos reeducandos é uma oportunidade ímpar que as autoridades têm para abrir espaço para uma discussão mais ampla a fim de informar e capacitar esses adolescentes não apenas para extravasarem sua virilidade, mas orientá-los sobre as conseqüências decorrentes dos seus comportamentos, a exemplo da paternidade, gravidez precoce e doenças sexualmente transmissíveis, enquanto questões complexas e delicadas. Portanto, muito mais que reservar um espaço físico para que os adolescentes pratiquem sexo precisamos aproveitar essa chance e ensiná-los a importância do afeto, trabalhando os sentimentos e emoções. Uma tentativa como essa foi desenvolvida com dignidade com pessoas com Síndrome de Down e obteve êxito, demonstrando que a garantia de todos os direitos concernentes as pessoas, sem distinção, conforme está previsto na nossa Carta Magna, não é nenhum favor que o Estado nos faz, muito pelo contrário, é dever e princípio constitucionalque o ser humano seja atendido integralmente.
Convém lembrar que a fase da adolescência é o momento áureo, o ápice da ebulição dos hormônios e precisa ser levado em conta em virtude das situações que têm ocorrido envolvendo questões sexuais de adolescentes. Sabemos que o afeto e o toque são significativos para a vida desses meninos e meninas, portanto, são direitos desses adolescentes não apenas a visita íntima, mas um maior contato possível com os pais ou familiares. A falta do toque e de carinho dos pais e familiares somados aos duros tratamentos usados pelas unidades de meninas socioeducativas acarreta prejuízos emocionais, distorcendo de forma perversa e irremediável a personalidade desses adolescentes ainda em fase de formação. E é exatamente isso que temos assistido dia após dia através da mídia.
Negar o direito à visita íntima, atendendo aos pré-requisitos de respeito, é permitir a continuidade de uma prática que desde sempre ocorre veladamente dentro das unidades de medidas socioeducativas: a lei do mais forte sobre o mais fraco, onde os mais fortes fisicamente (ou apadrinhados) subjugam o mais fraco e submete-o aos seus mais sórdidos desejos sexuais. Fatos humilhantes e perversos se constituem em gravíssimas violações aos direitos humanos impedindo, inclusive, que a livre orientação sexual deixe de ser natural e seja resultado da opressão contra os fragilizados, fato que já ocorre dentro das unidades masculinas e femininas. Essa realidade precisa ser banida para que seja assegurada a opção natural de relacionamentos entre homens e mulheres ou, a quem preferir, a liberdade de orientação sexual como prática civilizatória.

*Conceição Cinti. Advogada e educadora. Especialista em Tratamento de Dependente de Substâncias Psicoativas e Delinquencia Juvenil, com experiência de mais de três décadas. Colunista de alguns renomados site e pode ser encontrada no www.educacaorestaurativa.blogspot.com.br visite esse espaço!

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Educar é Fundamental


“Ensina a criança no caminho que ela deve andar; e ainda quando for velho não se afastará dele”.
(Livro de Provérbios: Capítulo 22, verso 6).

Ou, se preferir:

“Educai as crianças e não será preciso punir os homens”.
(Pitágoras de Samos – Filósofo).




As citações acima apesar de milenares são atemporais e irretorquíveis dentro do contexto necessário ao desenvolvimento da criança e do adolescente, por essa razão deveriam nos conduzir a uma profunda reflexão sobre o dever da família, dos Governantes, e também da sociedade civil, na condição de coparticipes do grande “Pacto Social” pelo bem comum, mormente, pelo o bem estar das crianças e dos jovens de baixa renda (que é a camada social estigmatizada pelo sistema penal brasileiro cuja característica cultural é penalizar pessoas do sexo masculino, pobre, preto, pardo e com menos escolaridade e, pior, jovens sem nenhuma perspectiva de futuro. (Ver: Raio – X do cárcere brasileiro: números que chocam).
Os jovens são o futuro de uma nação, mas para isso é imperioso que os governantes cumpram os princípios constitucionais e outros dispositivos legais, no nosso caso, o ECA que complementa deveres e direitos dos menores versos obrigações do Estado. Entretanto é do conhecimento público que no Brasil as leis são mais para "Inglês ver", principalmente, quando para beneficiar e, o destinatário são pessoas baixa renda.
Por que o futuro desses jovens no Brasil está comprometido?
Pela falta de uma educação de qualidade em regime de escola integral, que garanta além da grade normal pertinente ensino infantil, ensino fundamental e médio, também assegure aos jovens cursos profissionalizantes com demanda no mercado de trabalho e as crianças e jovens praticas esportivas e culturais e entretenimento de qualidade. Essas atividades não apenas motivam e enriquecem a formação das crianças e jovens, mas também seria uma forma de preencher o vazio e as distorções causados pela ausência dos pais e evitaria que esses menores perambulassem a mercê da sorte pelas periferias comprometidas cada dia mais com o crime organizado, dos quais na pratica eles têm sido presas fáceis aliciadas ainda em tenra idade.
Por essa razão me esforço para que meus artigos destaquem que a falta de perspectiva de um futuro gera, principalmente, nos adolescentes a desesperança que na prática os tem conduzido ao crime e por consequência a morte precoce.
Essa preocupação deveria ser de cada família, cada educador, cada humanista, principalmente, cada Governante, em todos os níveis, por ter sido cabalmente constatada através de estudos em várias e diferentes sociedades que apontam a indiferença com o destino dos jovens, (principalmente, os de baixa renda), a falta de oportunidade de acesso desses jovens ao mercado de trabalho e a uma melhor condição de vida como o descaminho passível de induzi-los a condutas antissociais e inicia-los no crime.
No Brasil nem precisa pesquisa para constatar que esse fato vem ocorrendo há décadas com crianças e jovens brasileiros, situação que venho denunciando sistematicamente e venho denominando-a de “O Holocausto Brasileiro”.
Parafraseando o que vem sendo dito insistentemente, pelo o notável jurista Professor Luiz Flávio Gomes: “...um pais que nos últimos 15 anos investiu mais em punição e prisão do que em educação (+ presídios –escolas), é um pais severamente enfermo! Devido a inversão absoluta dos valores: exclusão social em detrimento da“construção cultural” do cidadão. Menos Estado social e mais Estado policial. Uma aberração que precisa ser denunciada e combatida (Ver: BRASIL: país que constrói mais presídios que escolas está doente).

O presente artigo é oportuno porque enquanto o Congresso Nacional se prepara para votação de matérias referentes ao menor em confronto com a lei, o país caminha desinformado e indiferente ao futuro desses menores, alimenta uma expectativa unicamente punitiva, invés de exigir das autoridades competentes uma ampla investigação das causas da violência praticada pelo infanto-juvenil e, contra ele, como suporte legal para doravante cuidar adequadamente desse assunto. Não podemos desperdiçar a oportunidade de dar um novo rumo às políticas preventivas e restaurativas utilizadas há décadas pelo Governo e que se mostraram totalmente ineficazes para conduzir à ressocialização e a inclusão social desse menor ( que é o principal objetivo da pena), mas que na prática, ao contrário tem cooperado para aumentar a reincidência deformando ainda mais sua personalidade.
Defender a sustentação da maioridade penal aos 18 anos, não quer dizer que estamos coniventes com o menor que pratica crimes, mormente, crimes hediondos, mas daí pretender resolver uma questão tão complexa, apenas com medidas punitivas é se deixar levar pela pressão da mídia populista, que tem apenas o escopo imediatista, simplificado, sem nenhum compromisso com resolução adequada do problema, portanto, em total menosprezo as leis e garantias individuais, sem levar em conta as constatações e as recomendações científicas sobre esse “ser” ainda inacabado em todas as suas potencialidades que é o adolescente, que apenas na teoria explicitamente a lei protege. Exatamente por isso o momento é significativo para uma profunda reflexão e adoção imediata de estratégias de prevenção que me parece ser prioritário e emergencial nas políticas públicas, além de menos oneroso aos cofres públicos e a própria vida.
Cabe ao Estado, cumprir seu dever de casa (cumprindo suas funções de tutela do menor com excelência, o que nunca fez) ao invés de reforçar o discurso da mídia populista que inundou a sociedade e, não trará nenhum resultado positivo que possa servir de ponte para a cultura da paz.
Quando o objeto em questão são criança e adolescentes, portanto o futuro de qualquer nação civilizada, omitir da população a precariedade dos Educandários Públicos e suas metodologias ineficazes, mais semelhantes a faculdades do crime em todas as suas modalidades e cada dia mais distanciada de metodologias que corrobore a ressocialização, recuperação e a inserção social desses adolescentes à sociedade, mas que na prática não acontece, estamos caminhando na contra mão do direito, da justiça social e da liberdade, o que é um grande equivoco, um paradoxo inadmissível que precisa ser urgentemente reparado e, penso ser esse o momento.
O ECA carece de reparos urgentes. Melhor e mais produtivo que reduzir a maioridade penal seria corrigir uma distorção (dentre outras existentes) que ocorre desde a criação do ECA: transformando em agravante, majorando a pena sem dó para o delinquente adulto que utilizar sob qualquer pretexto a cooperação do menor para a prática de infrações ou crimes. Essa postura, sim, me parece a mais correta e, por certo terá impacto na diminuição da violência praticada por menores e contra eles, capitaneada, na maioria das vezes por delinquentes adultos.
Vamos ter que optar pela verdade e, não mais permitir que continue se propagando aos quatro cantos do pais essa mentira deslavada de que o menor não é penalizado, não vai preso e, após cometer crimes graves e atingir a maioridade penal será tudo zerado e esse menor terá seu histórico limpo. Isso nada mais é que mais um engodo, o próprio " 171", ( amparada pela corrente dos raivosos)  que leva até hoje menores incautos a colaborar com adultos criminosos profissionais. Porque ninguém ignora que a passagem de um menor por qualquer Educandário Público ( Ex- FEBEM) deixará para sempre marcas indeléveis alma ( sentimentos e emoções) e seu histórico de vida será maculado para sempre. Na prática, qual seria então a diferença entre a prisão de um delinquente adulto e a imposição de medida socioeducativa privativa de liberdade aplicada a um menor em confronto com a lei? Nenhuma!
O ideal seria não existir crime, muito menos hediondo, mas isso é uma utopia e não uma verdade, afirmar que existe uma sociedade onde não exista um delito, um crime, mas há varias sociedades onde essa taxa é diminuta por causa dos investimentos governamentais adequados que não é o caso do Brasil. Também não ficar engessados no Direito comparado e obrigatoriamente, importar para o Brasil medidas que deram certo em outros. O que precisamos é levarmos a sério o imperioso dever democrático de respeitar a dignidade humana e levar em consideração as particularidades do povo brasileiro, as especificidades de cada um dos nossos Estados, e fazer o que tem que ser feito: impedir qualquer tipo de degradação à criança e ao adolescente doa a quem doer.
É que cuidar de pessoa, restaurar pessoa, tem uma fórmula que é incompatível com as políticas ideológicas e partidárias reinantes no país. A Fórmula dos cincos Ds, ou seja: Difícil, Demorado, Dispendioso, Doído, mas, com Dignidade é perfeitamente possível restaurar, mormente, crianças e adolescentes, mas é uma verdade que não interessa aos políticos brasileiros.
*Conceição Cinti. Advogada e educadora. Especialista em Tratamento de Dependentes em Substâncias Psicoativas e Delinquência Juvenil, com experiência de mais de três décadas. Colunista de alguns renomados sites e pode ser encontrada nowww.educacaorestaurativa.blogspot.com.br visite esse espaço!


quarta-feira, 10 de abril de 2013

O “Toque de Recolher" com um dos poucos instrumentos à disposição do Juiz para proteger a vida dos menores nas ruas...



 


 

*Conceição Cinti

 

A necessidade de Programas de Políticas Públicas Preventivas se impõe diante de tanta barbárie cometidas contra crianças e menores infratores. Creio ser oportuno abordamos um assunto que tem provocado polêmica, mas que, na minha singela opinião, deveria ser motivo de uma releitura: o "Toque de Recolher", que sabia e pioneiramente foi utilizado pelo MM. Juíz da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Fernandópolis-SP., Dr. Evandro Pelarin, e imediatamente adotada também por outros magistrados; e que comprovadamente tantos benefícios trouxeram a todas as comunidades que a adotaram.

O que mais falta às nossas crianças é um toque de dignidade e de carinho diante do índice inaceitável de violência e mortes a que são submetidas; falta também muita sensibilidade, responsabilidade por parte dos Governantes e autoridades responsáveis pelas áreas da criança e adolescentes em risco de vida, prostituição, drogadição, trabalho infantil, tráfico de pessoas etc.

"Toque de Recolher" é de fato é um dos poucos instrumentos à disposição desses Magistrados na defesa da criança e do adolescente, diante da violência reinante no pais!

Com a experiência de mais de 30 anos trabalhando na condição de voluntária, lutando pelos direitos de crianças e adolescentes em situação de risco, dependentes químicos e delinquentes juvenis, posso afirmar o quão difícil é para um Juiz da Vara da Infância e Juventude cumprir suas obrigações, na defesa dos direito à integridade física, mental e psicoemocional, o direito à vida dessas crianças e jovens, mormente, nas cidades do interior do Estado de São Paulo, onde o sistema escolar é ainda mais precário, o acesso à pratica de esportes, à cultura e ao entretenimento não existem (em muitas cidades não chega nem saneamento básico e serviços sociais mínimos, que dirá shoppings, quadras de esportes e cinemas), restando a esses menores o ócio, que os desencaminha ainda em tenra idade.

E esse menor, temos acompanhado por meio das pesquisas, a cada dia mais se torna presa fácil do crime organizado em todas as suas modalidades, pela omissão dos Governantes e indiferença de uma sociedade egoísta, que torna o Apartheid Social Brasileiro, que funciona de forma velada, porém ainda mais denso contra as pessoas de baixa renda, nas cidades do interior, mormente, as de médio e pequeno porte como é o caso da maioria das cidades que adotaram a medida Protetiva do "Toque de Recolher", como a cidade de Fernandópolis (Veja: Justiçasuspende Toque de Recolher em Fernandópolis, SP – portal www.globo.com).

Data máxima vênia aos que pensam contrariamente, (inclusive alguns Tribunais que já se posicionaram e revogaram a medida), mas diante da falta de recursos de toda ordem que essa espécie de Magistrado enfrenta na maioria dos municípios, até nas cidades do interior do Estado de São Paulo (considerado o Carro-Chefe da Nação), porque não ver na medida do "Toque de Recolher" um dos poucos instrumentos de defesa a esses míseros menores? É o mesmo que exigir desses Magistrados milagre e, ao mesmo tempo, denota a falta de sensibilidade por parte daqueles que têm muita familiaridade com a fria teoria e, nenhuma, ou pouquíssima, experiência prática, de campo, que são coisas completamente diversas e desconhecidas por muito dos que decidem sobre a sorte desses menores (muitos são juízes que decidem de dentro dos seus gabinetes climatizados no conforto da Capital considerada corro Chefe do Brasil).

O "Toque de Recolher" é apenas uma medida que disciplina o tempo de permanência que uma criança ou jovem menor de idade deve permanecer nas ruas, desacompanhados, após o anoitecer, para evitar que esse menor seja vitimado pela violência generalizada, que temos assistido, ou pior, que seja aliciado pelo crime.

Aos que alegam que a medida "Toque de Recolher" é inconstitucional e fere os princípios do ECA, isso não se caracterizaria um paradoxo? Não é a vida o maior bem a ser preservado, mormente, o de crianças e adolescentes que ainda estão em processo de formação físico-psicoemocional e mental e, por essa razão, mais vulneráveis a todo tipo de engodo?

Também não se constitui outro paradoxo achar que o Conselho Tutelar, que na teoria funciona com a maestria de uma orquestra a favor do menor, mas que na pratica não tem sequer autonomia financeira (nem para manter uma condução, um veículo disponibilizado diuturnamente, para servir as necessidades de transportes desses menores) e vive dos favores do Executivo? Afinal, o que é mais relevante: a preservação da vida dos menores ou a soberania dos princípios do ECA?

A título de sugestão, não seria mais coerente com a triste realidade desses menores que, ao invés de mexer em uma das poucas medidas que apresentou resultados satisfatórios, contribuindo para queda das infrações cometidas por menores que ficam vadiando nas madrugadas desacompanhadas, se a medida fosse erigida à condição de Lei?

Há assuntos que de tão relevantes e urgentes dispensam discussões e polêmicas, e que deveriam ser priorizados. E esse me parece ser o caso do “Toque de Recolher" que, em países civilizados, é Lei regulatória do comportamento: nesses países existem deveres e direitos das crianças e adolescentes e ponto.

O "Toque de Recolher" utilizado pela cidade de Diadema/SP, por exemplo, como instrumento capaz de reduzir o alto índice de homicídios naquela cidade, foi instituído com o apoio do Executivo e Legislativo, e se mantém até hoje, ordenando que os bares e botecos (Brasil tem um milhão de botecos) sejam fechados até 23h impreterivelmente. O povo acatou se submetendo à medida, o que tem sido um instrumento de vida e sobrevivência pacífica para aquela cidade. Será que a vida (o bem mais precioso do ser humano) não deve prevalecer ante a liberdade de ir e vir tendo em vista a realidade em que essas cidades vivem (e que não são alteradas significativamente pelo Estado)? (Veja: Fecharbares uma hora mais cedo reduz violência em 16%, afirma estudo).

No Japão, crianças e menores de idade nunca saem desacompanhadas, não frequentam vida noturna nem ingerem bebidas alcoólicas e, caso isso ocorra, os pais ou responsáveis por esses menores, bem como os estabelecimentos comerciais arcarão não apenas com multas vultosas, mas também poderão ser presos sem direito a fiança porque lá o princípio da igualdade de direitos é o mesmo para ricos e pobres. Não há o que discutir porque as leis por lá são feitas para serem cumpridas por todos! A Prevenção nos países civilizados começa na mais tenra idade (por exemplo: no Japão as leis de trânsito começam a ser aprendidas, obrigatoriamente, na primeira infância). Não será por essa razão que a taxa de mortes no trânsito no Japão é tão baixa, 64,5 mortes a cada milhão de veículos em 2010 e a taxa de homicídios é de 0,4 mortes a cada 100 mil habitantes (dados do UNODCde 2009)

Passemos então a refletir, na prática, nos colocando na situação da criança e do adolescente vulneráveis e dos aplicadores de leis em meio ao caos dessas cidades brasileiras, desamparados de qualquer apoio social ou político, ultrapassando interpretações apenas teóricas, baseadas em princípios e normas legais (que apesar de muito bonitos e importantes, quando aplicados como fundamento isolado e genérico, acabam por prejudicar seus tutelados em vez de protegê-los), mas avaliando em conjunto aquilo que o direito trabalhista chama de “primazia da realidade”, e que nas situações acima demonstradas situações poderíamos chamar de “primazia de uma realidade destroçada”.

 

*    Conceição Cinti. Advogada e educadora. Especialista em Tratamento de Dependente de Substâncias Psicoativas e Delinquente Juvenil, com experiência de mais de três décadas. Pesquisadora. Colunista do www.institutoavantebrasil.com.bre outros renomados sites.