segunda-feira, 29 de outubro de 2012

 
 
 
Recomendo as pessoas que me seguem através do Blog www.educacaorestaurativa.com.br e a cada amigo meu, que veja este vídeo acima até o final. Acho que “Deus precisa entrar nessa guerra” causada pelas drogas que têm vitimado, principalmente, crianças e adolescentes, de baixa renda em confronto com a Lei, o que venho denominando e denunciando como “O Holocausto Brasileiro”.


Ninguém é mais apropriado para fazer e liderar um movimento com jovens, pela prevenção e restauração de vidas que os lideres que foram libertados das drogas e por essa razão são um testemunho vivo de que Restauração de Vidas é um fato possível.


Nos programas que dirijo sobre restauração de pessoas dependentes em SPA, utilizo-me da ciência e da espiritualidade. Espiritualidade dentro deste contexto compreendida como o Poder de Deus capaz de nos transformar naquilo que nenhum outro recurso por si só tem condições de fazer. Acho que sem o componente divino nenhum ser humano poderá ser assistido e curado na sua totalidade.


Reitero meu respeito aos agnósticos, mas creio num Deus capaz de realizar qualquer tipo de milagres. Na minha experiência, de mais de três década, como restauradora de vidas tenho tido o privilégio de presenciar incontáveis milagres. Esse fato é tão gratificante que se torna uma experiência indizível com palavras. Um dos milagres mais comoventes na minha opinião poder ver Deus trabalhando na vida de uma pessoa até transforma-la completamente.


Conceição Cinti. Advogada e educadora. Especialista em Tratamento de Dependentes em SPA, com experiência de mais de três décadas. Colunista de vários renomados sites

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Quem disse que menor não vai preso ?



*Conceição Cinti 

 

Ninguém em sã consciência é contra o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. O que assistimos com frequência é a mídia populista tentando a todo custo influenciar pessoas desinformadas e colocá-las contra o menor em confronto com a lei.

 
O Estatuto da Criança e do Adolescente (promulgado em 1990) é fruto da luta de movimentos sociais, de educadores, de especialistas e de pessoas preocupadas com as condições da infância e da juventude no Brasil, num momento conturbado da vida política brasileira. O ECA representa, sim, um marco na defesa dessas crianças e adolescentes, mas tem falhas graves que precisam ser corrigidas urgentemente.

 
Há no  ECA dois temas que, em minha opinião, na prática, ganharam uma interpretação perversa e diversa do que pretendeu o legislador. E este sofisma vem se arrastando e criando uma visão que tem contribuído para dizimar nossas crianças e adolescentes.

 
O primeiro tema, e mais gravoso, trata-se da questão propagada aos quatro cantos do país de que menor não é preso e fica sempre impune. Esta é uma inverdade que impede a inclusão, facilita a reincidência e faz aumentar, cada vez mais, a aversão da sociedade contra o menor em confronto com a lei.

 
Os menores são punidos sim. Não é verdade que eles não têm a resposta estatal para o comportamento reprovável. De acordo com o ECA:

 
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

(...)

VI - internação em estabelecimento educacional;

(...)

 
Na prática, no entanto, eles são punidos com rigor e presos. Sim presos. Destacamos no texto da lei a “internação”, porque através dela os menores são presos em lugares inapropriados, insalubres, sujeitando-se a tratamento semelhante ao dispensado aos adultos delinquentes. Esquece o Poder Público de dar a eles o tratamento condizente à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (art. 6º, ECA).

 
Não são raras as vezes que temos conhecimento de denúncias de maus tratos e abusos sofridos pelos menores. Veja-se notícia divulgada no Carta Capital sobre a Fundação CASA - http://www.cartacapital.com.br/sociedade/adolescentes-relatam-maus-tratos-na-fundacao-casa/ 

 
O infanto-juvenil é imaturo e fácil de ser persuadido. Principalmente os de baixa renda que em geral têm também baixa escolaridade. Vivem sempre em carência afetiva pela ausência familiar e do básico para sobreviver.

 
Ansioso para pertencer a um grupo se sujeita a uma situação de total subserviência para se sentir “acolhido” ou sentir que tem algum valor. Diante da impossibilidade de encontrar essa valoração/projeção dentro da família, da sociedade, da comunidade onde reside, encontra na sagacidade do delinquente adulto o convencimento de que no crime terá espaço e apreço e dessa forma é ilusoriamente arrastado precocemente para marginalidade e passar a cooperar como criminoso adulto.

 
Esse funesto vínculo de submissão por parte dos menores aos adultos delinquentes vem ocorrendo a olho nu por décadas, pela ausência de políticas públicas de prevenção e proteção aos menores e as suas famílias e clama por reparo. Esse fato, essa ascensão do delinquente adulto sobre o menor de baixa renda é do conhecimento de todas as autoridades que são pagas com o dinheiro público para cuidar e proteger esses menores, mas que nada fazem.

 
E aqui temos em nosso poder um documento que retrata de maneira única e verdadeira a realidade acima descrita: “Falcão - Meninos do Tráfico” é um documentário brasileiro produzido pelo rapper MV Bill que retratou a vida de jovens de favelas brasileiras que trabalham no tráfico de drogas.

 
Negar essa realidade retratada por MV Bill é o que tem feito o Poder Público e a sociedade. Sabemos que esses menores desprotegidos deveriam ser amparados por instituições que recebem do Estado e têm por lei obrigação de acolhê-los e protegê-los, mas nada fazem.

 
Dentro desse contexto, em minha opinião, a violência pode ser traduzida como a expressão trágica de necessidades básicas não resolvidas. Às vezes somos expert como especialistas do Direito, ou em outras áreas técnicas, mas não temos o hábito de escutar as necessidades do outro, então deixamos de dialogar com as necessidades desses menores.

 
Na verdade a maioria de nós foge desse confronto. Esquecemos na  verdade que essas crianças e adolescentes não são apenas um número a mais num educandário do governo e sim sujeitos de direitos. Entretanto na consciência sabemos que enquanto não alcançarmos as necessidades e sararmos as feridas que estão por trás das demandas desses menores, poderemos até solucionar o processo referente a cada um deles, mas o conflito maior vai continuar.

 
Então precisamos culpar alguém e o culpado será sempre o mais frágil. São os adolescentes que fogem ao padrão comum e por aí seguimos cheios de desculpas. Uma coisa é correta, mas não é feita: quanto mais procurarmos entender e ter a capacidade de escutar a necessidade desses menores, seus históricos de vida, mais seremos  capazes de acolher e resolver esse impasse que tem dizimado milhares de jovens e que venho insistentemente denunciando como o "O Holocausto Brasileiro".

 
E os números mostram a realidade desse massacre: o Brasil é um dos países mais violentos do mundo e as maiores vítimas são os jovens. Os jovens (indivíduos com idade entre 15 e 29 anos, de acordo com classificação acatada pela Secretaria Nacional da Juventude) representaram, somente eles, o montante de 53,5% (ou seja, 27.977) do total dos homicídios de 2010, sendo que a faixa etária de 20 a 29 anos (“jovens adultos”) foi a mais atingida, com 38,6% do total (o levantamento foi realizado pelo Instituto Avante Brasil – IAB, a partir dos dados disponibilizados pelo DATASUS - Ministério da Saúde).

 
Escolas Restaurativas humanísticas que através do amor ao próximo resgate essas vidas fariam toda a diferença. Esta é, sem dúvida, a única ponte para que cesse o que denomino de “O Holocausto Brasileiro” e dê dignidade a esses desvalidos da sociedade e do Poder Público.

 
Apenas dentro desse contexto é que será possível questionarmos e solucionarmos a adequada ressocialização capaz de contribuir de fato para um futuro melhor, menos mortes, menos reincidência e a libertação desses jovens da opressão do poder do delinquente adulto.

 
Na prática esses menores são apenas crianças e adolescentes sem dono, em sua maioria, ociosos, vagando nas periferias onde residem sem nenhuma assistência do Poder Público quando são convencidos pelos criminosos e iniciados na criminalidade. No início dessa associação do menor com o adulto delinquente acredito que as razões principais seja imaturidade, inexperiência, carência afetiva, pura necessidade de pertencer a um grupo.

 
Também acredito, por experiência própria, que os menores principalmente os meninos são mais ingênuos, acriançados e quando caem na real já estão severamente comprometidos. A partir desse momento o vínculo, que antes era por uma bagatela de atenção, passa a ser por uma questão de sobrevivência, falta de oportunidade de dar às suas vidas um destino diferente. Encurralado em suas míseras comunidades, a maioria tem no bandido o único acolhedor.

 
A mídia populista ao longo dos anos tem reforçado cada mais a ideia de majoração da punição ou até mesmo a diminuição da maioridade penal, como se fossem as melhores, talvez as únicas saídas para a pacificação social. Neste ideal levam junto uma sociedade revanchista que nem sequer questiona a necessidade desses menores e de políticas socioeducativas de alcance à família, sobretudo em periferias e comunidade carentes, como o caminho para evitar que crianças e adolescentes sejam atraídos e se envolvam com o crime.

 
Esses menores não são apenas números, mas cidadãos sujeitos de direito. Quem responde por esses  prejuízos causados ao infanto-juvenil?

 
Em outra oportunidade apontarei o segundo tema, citado no início deste texto, como responsável pela interpretação equivocada do ECA: o Conselho Tutelar.

 

*Conceição Cinti. Advogada e educadora. Especialista em Dependentes de Substâncias Psicoativas, com experiência de mais de três anos. Colunista do www.institutoavantebrasil.com.br. Siga me no www.educacaorestaurativa.blogspot.com.br

 

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Presídios da América Latina: “jornada para o inferno”



LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*


As prisões de algumas capitais brasileiras são “nefastas” e “odiosas”. Quem disse isso? O emérito professor baiano Lemos Brito. Quando? 1924. Onde? No livro Os sistemas penitenciários no Brasil.

A reportagem da revista “The Economist” (de 22.09.12) faz duras críticas aos presídios na América Latina por estarem longe de ser um lugar seguro para reabilitação, classificando-os de “jornada para o inferno” em países como Brasil, Venezuela, México, Honduras e Chile.

“Os prisioneiros não só são submetidos a tratamentos brutais frequentes em condições de miséria e superlotação extraordinária, e muitas cadeias são administradas por grupos criminosos”, diz a publicação.

Ao falar da situação do Brasil, a reportagem cita o presídio Romeu Gonçalves de Abrantes, em João Pessoa (PB), denunciado no final de agosto pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos. O órgão visitou o presídio e encontrou um cenário de horror: um amontoado de 80 homens nus dividindo espaço numa cela com fezes flutuando em poças de água e urina. O Ministério Público, Polícia Federal e o governo estadual apuram as denúncias de maus tratos aos presos. Situações como essa, segundo a “Economist”, resultam num surto de massacres em prisões e incêndios provocados deliberadamente.
Assim como em Honduras, quase a metade dos presos no Brasil não teve sua sentença dada pela Justiça. Em outros casos, o jornal cita que “a situação no Brasil é tão caótica que alguns presos não são libertados nem quando terminam de cumprir sua pena”. “É por isso que as prisões são chamadas de escolas de bandidos”, disse Migdonia Ayestas, do Observatório Nacional da Violência, uma ONG de Honduras. Fonte: <http://www.espacovital.com.br/noticia_ler.php?id=28315>, 25 set. 2012. Acesso em: 25 set. 2012.

O que a reportagem da revista The Economist constatou na América Latina em 22.09.12 já era denunciado desde o princípio do século passado (e até mesmo antes, de acordo com relatos de Foucault).

Logo, nós do mundo jurídico temos que entender que o inferno dos presídios (e da criminalidade generalizada, que nunca diminui) não é uma questão jurídica, sim, política. A pena é política (já dizia Tobias Barreto). Faz parte da política do Estado, que é regida sempre por um determinado modelo econômico (escravagista, etnicista e racista, no caso brasileiro).

Não temos que alterar mais nada (ou praticamente mais nada) no mundo das leis. A questão não é legal, sim, repita-se, política. Temos que procurar alterar a política do Estado o que significa alterar a política econômica (que manda no Estado ou que faz parte da oligarquia que manda no país que é composta pelo Estado, poder econômico e alguns políticos).

O culpado por tanta tragédia (mortes anunciadas) não é só o Estado. É preciso ir para o banco dos réus quem realmente manda, que é o poder econômico (o modelo econômico, que é escravagista, no caso brasileiro).

Milhões de espanhóis, descontentes com o estado atual do País (de desemprego generalizado, carências, estrangulamento do Estado Social etc.) encheram suas praças públicas no dia 25.09.12 para protestar contra as autoridades políticas, embora o causador do desastre econômico seja o mundo econômico-financeiro. Os políticos são julgados continuamente enquanto o poder econômico-financeiro fica na obscuridade, como se fosse a mão invisível do mercado de que falava Adam Schmidt. A questão mais relevante é dirigir nossos protestos contra os verdadeiros culpados pelo Estado de Mal-Estar, que grande parte do mundo está vivendo.

*LFG – Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me: www.professorlfg.com.br.



Brasil: guerra civil sem nenhuma revolução

 


LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*



É possível que um país esteja em plena guerra civil sem nenhum tipo de revolução e de protestos organizados? Vendo os números da violência no nosso país, a resposta só pode ser positiva. E tudo se passa dentro de uma normalidade incrível. É como se nada estivesse ocorrendo. Devemos nos render à habilidade da oligarquia reinante, formada pelo Governo, pela mídia e pelos poderes econômicos e políticos, de não deixar transparecer nada de anormal. Tudo faz parte da normalidade. Tudo foi internalizado, naturalizado. O sangue jorra por todas as vias da nação, mas ninguém presta atenção nos milhares de mortos (Zaffaroni).

 
Violência epidêmica. Com a taxa de 27,3 homicídios dolosos para cada 100 mil habitantes, o Brasil é um país com alto nível de violência epidêmica. A OMS (Organização Mundial de Saúde) estabelece que quando a taxa é superior a 10 homicídios por 100 mil habitantes, o local é considerado uma zona epidêmica de homicídios, tendo o Brasil superado em quase 3 vezes este índice. A taxa citada somada aos demais óbitos violentos no país (v.g., as mortes ocorridas no trânsito brasileiro, que apenas em 2010 vitimou 42.844) faz do Brasil um país homicida. Não se trata de mera opinião ou de um posicionamento ideológico, mas sim de um fato (estatisticamente incontestável) (Datasus).



Um assassinato a cada 9 minutos. Na última década (2001-2010) o crescimento foi de 9% no número absoluto de homicídios, vez que em 2001 constatou-se 47.943 mortes e, 52.260, em 2010, gerando uma média de crescimento anual de homicídios de 1,48%. A partir desta média de crescimento anual (1,48%), foi obtida a seguinte estimativa para o ano de 2012: 53.823 homicídios. O que significa: 4.485 homicídios por mês, 147 por dia, 6 por hora ou, 1 assassinato a cada 9 minutos e 48 segundos (ou 587.526 milisegundos) (o levantamento foi realizado pelo Instituto Avante Brasil – IAB, a partir dos dados disponibilizados pelo DATASUS – Ministério da Saúde).

 
11% de todas as mortes do planeta em 2010. De acordo com o UNODC (United Nations Office on Drugs and Crime – Homicide Statistics – 2010), 468 mil pessoas foram assassinadas em 2010, em todo o planeta. Os números não são totalmente confiáveis; de qualquer modo, dão uma ideia (ainda que só aproximada) dessa impressionante realidade. A taxa média global é de 6,9 mortes para cada 100 mil habitantes. As médias dos respectivos continentes são: África, 17 por 100 mil habitantes; América, 16 por 100 mil habitantes e Ásia, Europa e Oceania, 3 a 4 por 100 mil habitantes.

 

Do total de assassinatos do planeta o percentual de cada continente é o seguinte: 36%, África; 31%, Américas; 27%, Ásia; 5%, Europa e 1%, Oceania. No Brasil, em 2010, conforme dados do Datasus, foram assassinadas 52.260 pessoas, ou seja, o equivalente a 11% de todas as mortes mundiais.

 
Guerra civil não declarada. Se a estimativa é de 147 vítimas diárias de homicídios dolosos (em 2012), se ocorre uma morte a cada 9 minutos, se 11% de todas as mortes do planeta acontecem no Brasil, não há como deixar de concluir que a guerra civil está factualmente caracterizada. Não aquela proveniente de conflitos armados, sim, guerra discriminatória e étnica. A desigualdade e a seletividade são as bases da guerra civil brasileira. Uma espécie de guerra “camuflada” contra os discriminados étnicos (os segregados, os excluídos, os desamparados), contra os vulneráveis (especialmente os jovens), exploráveis, torturáveis, “prisionáveis” e “mortáveis”. Não se trata, no entanto, de uma guerra com milhares de mortes num pequeno lapso de tempo (Hiroshima, por exemplo). São assassinatos a conta-gotas, como diz Zaffaroni, e totalmente naturalizados pela população e pela oligarquia brasileiras. A história do Brasil está sendo escrita com tinta e sangue.

 

*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Codiretor do Instituto Avante Brasil e do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me nas redes sociais: www.professorlfg.com.br.




 

Você é liberal ou conservador?


LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*


Se você ainda tem dúvida sobre se é liberal (visão mais progressista) ou conservador (visão protetiva da ordem social existente), analise os temas controvertidos abaixo e tire essa sua dúvida para sempre.

 
O uso massivo da repressão penal para (praticamente) todos os males da sociedade encontra aliados nas “tendências conservadoras” e adversários nas “tendências liberais”. O Datafolha (Folha de S. Paulo de 23.09.12, p. A6), com base em escalas internacionais de classificação do nível de conservadorismo por meio da opinião em relação a temas polêmicos, chegou a conclusões bastante esclarecedoras.


Quanto às causas da criminalidade: para as tendências conservadoras a maior causa da criminalidade é a maldade das pessoas (origem pessoal); para as tendências liberais, a maior causa é a falta de oportunidades iguais para todos (causas mais amplas).

 
Pena de morte: é a melhor punição para indivíduos que cometem crimes graves (conservadores); não cabe à justiça, mesmo que o crime cometido seja grave (liberais).

 
Posse de armas: arma legalizada deveria ser um direito do cidadão para se defender (conservadores); deve continuar proibida, pois ameaça à vida de outras pessoas (liberais).

 
Homossexualismo: deve ser desencorajado por toda a sociedade (conservadores); deve ser aceito por toda sociedade (liberais).

 
Pobreza: boa parte está ligada à preguiça de pessoas que não querem trabalhar (conservadores); boa parte está ligada à falta de oportunidades iguais (liberais).

 
Migração: pobres que migram acabam criando problemas para a cidade (conservadores); pobres que migram contribuem com o desenvolvimento e a cultura (liberais).

 

Sindicato: servem mais para fazer política do que defender os trabalhadores (conservadores); são importantes para defender os interesses dos trabalhadores (liberais).

 
Adolescentes: adolescentes que cometem crimes devem ser punidos como adultos (conservadores); adolescentes que cometem crimes devem ser reeducados (liberais).

 
Religião: acreditar em Deus torna as pessoas melhores (conservadores); acreditar em Deus não necessariamente torna uma pessoa melhor (liberais).

 
Proibição do uso de drogas: sim, porque toda sociedade sofre com as consequências (conservadores); não, pois é o usuário que sofre com as consequências (liberais).

 
Suas respostas a essa escala de temas polêmicos bem define sua inclinação liberal ou conservadora, que antigamente estava ligada a “ser de esquerda” (liberal) ou “ser de direita” (conservador). Essa diferenciação, quando se tem em mente o uso do poder punitivo repressivo, no entanto, se esfumaçou porque hoje todas as tendências ideológicas usam e abusam do poder punitivo estatal.

 
*LFG – Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me: www.professorlfg.com.br.






Política brasileira errada não reduz violência

LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*



A violência é um problema nacional muito grave. Há anos estamos fazendo a mesma coisa para combatê-la: mais leis, endurecimento das penas, mais presídios, mais prisões etc. Puro populismo midiático e político. Pior: o povo, em geral, continua acreditando nisso! Deveria ser informado que com essa política errada não conseguiremos nada de positivo tão cedo. Em todo momento o legislador edita uma nova lei, que significa puro simbolismo (sem eficácia prática). Para diminuir o homicídio cometido por grupo de extermínio, aumenta-se a pena. Para evitar a milícia, nova criminalização.

Está totalmente desacreditada a fé no encarceramento rigoroso como instrumento útil para a solução do problema da criminalidade e da insegurança. Todos os nossos índices de violência aumentaram com essa política (em 1980 tínhamos 11,7 mortes para cada 100 mil pessoas, contra 27,3 em 2010).


Os países que conseguiram uma sensível redução nas taxas de violência fizeram muito mais que o demagogicamente recomendado pelo populismo midiático e político. Quando criticamos o populismo penal nacional sempre se pergunta: o que fazer? Eis um exemplo: Bogotá (Colômbia).

Em meados de 90 Colômbia contava com os mais altos níveis de homicídio da América Latina (80 mortes para cada 100 mil pessoas). Em pouco tempo a situação melhorou visivelmente (26 mortes para cada 100 mil pessoas, em 2003). O que foi feito? Um grande trabalho de repressão e de prevenção, levado a cabo, sobretudo, por Antanas Mockus, que foi prefeito de Bogotá.

Suas frases: “Creio que primeiro se deve combater diretamente a violência e depois as condições de ilegalidade.” “O crime é uma enfermidade do organismo social, por isso que qualquer enfoque que retire responsabilidades comunitárias é maléfico”. “Uma das lutas iniciais deve ser contra a insegurança jurídica. (…) É importante dizer não à impunidade legal, à impunidade moral e à impunidade social”.

Referido político se valeu de medidas clássicas, sem esquecer as inovadoras e as criativas para levar adiante as mudanças. Conseguiu reduzir drasticamente as taxas de homicídio, criou medidas que focaram em gerar confiança e construir cidadania. Deu vida para o lema “um mínimo de humanidade compartida” com base no “respeito ao direito dos demais”. Com isso convenceu a sociedade do valor das seguintes medidas:

 

“lei zenahoria”: proibia a venda de álcool em certos horários;

  • Proibição da circulação de motos com dois tripulantes (situação típica em assaltos);
  • Criação de um número de telefone para prestação de assistência psicológica a maridos ciumentos, visando a evitar o cometimento de violência de gênero;
  • Entrega voluntária de armas: conscientização social: população com porte de arma diminui de 24% para 11%;
  • Estudos de números e estatísticas (mapas de delitos) sem entrar em conflito com a sensação/percepção da população sobre a violência e a insegurança;
  • Unificação e divulgação mensal transparente dos índices de homicídio;
  • Enfoque na prevenção: criação de comissões comunitárias, conselhos de segurança e centros de mediação de conflitos;
  • Criação de ações de inclusão;
  • Atuação sobre fatores que ocasionavam os homicídios (causas);
  • Bonificação da administração municipal a taxistas com bom comportamento;
  • Se os índices de criminalidade baixavam, o governo permitia que o bar ficasse aberto mais duas horas (comprometimento da população);
  • O coordenador de segurança da prefeitura permaneceu atuando por 12 anos, mesmo após o término de seu mandato.

 


Como se vê, o que foi feito na Colômbia, especialmente em Bogotá, não tem nada a ver com nossa política de endurecimento de pena, novas leis, mais rigor na execução, mais presídios, mais polícia, mais prisões etc. Toda política puramente repressiva tende a ser puramente simbólica e altamente inefetiva.

 
*LFG – Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me: www.professorlfg.com.br.




 

 

Máquina de enxugar gelo e tolerância zero


LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*


A Guarda Civil Metropolitana (GCM) da cidade de São Paulo com sua política de tolerância zero contra os moradores de rua (muitas vezes truculenta), está se transformando numa máquina de enxugar gelo (com toalha quente). Faz limpeza, mas antes de tudo étnica e racial. A pretexto de proteger o patrimônio público, cada vez mais a GCM descamba para o caminho socialmente errado, revelando sua verdadeira natureza de polícia do município, tal como a PM é polícia do Estado (não da cidadania ou da democracia).

A política de tolerância zero utilizada como instrumento de segurança pública é eminentemente repressiva e não ataca as causas individuais e estruturais do gravíssimo problema social que ela procura esconder. Só ilude a população e faz migrar os miseráveis, tal como ocorreu na Cracolândia. Esse método, pelo que qualquer pessoa sensata pode captar, tornou-se absolutamente inócuo para solucionar a enorme problemática social, decorrente de um modelo econômico escravagista fundado na desigualdade e na discriminação. O pior em tudo isso é o gasto público inútil. Os recursos são escassos e, mesmo assim, mal empregados.


O que a população deveria saber é que por meio da tolerância zero o Estado (ou Município) procura neutralizar ou esconder o conflito social, tirar esse fato da nossa visibilidade, para assegurar a governabilidade, ou seja, a manutenção do poder, esquecendo-se da clássica trilogia impossível anunciada por Freud em 1920: governar, curar e educar – fonte: http://lagaceta.com.ar/nota/507683/policiales/subjetividad-cero.html

 

Quando estamos em véspera de eleição, prefeito mal valorado, candidato do prefeito caindo nas pesquisas, algo precisa ser feito. Esse algo útil para a construção de uma saudável convivência social, no entanto, está longe da mera dispersão de mendigos, drogados e moradores de rua, que revela mais a sensação de desespero (eleitoral) que a vontade séria de resolver o problema na raiz.

É preciso reconhecer a limitação do humano. Nunca jamais vamos conseguir o controle zero total na questão das drogas, da violência de rua ou da criminalidade patrimonial, que não passam de sintomas sociais das nossas profundas desarmonias socioeconômicas, que sempre ficam completamente à margem do debate, inclusive no espaço midiático comprometido.

Qual seria a política correta? Nunca a intolerância, sim, a tolerância às diferenças, às políticas de integração social, à construção da cidadania. Nós necessitamos de mais escolas, não de mais presídios. Mais espaços solidários, não de mais repressão. Mais compreensão, não de mais expulsão. A mera dispersão dos moradores de rua, em razão da sua inutilidade em termos de eficácia, só vem confirmar a suspeita de que tudo é feito para dar satisfação aos anseios neoconservadores e populistas, que não conseguem enxergar que a limpeza, o silêncio ou a negação do problema só faz com que ele se agrave a cada dia. Em nossa vida, sempre que nos deparamos com algum problema a primeira coisa que temos que fazer é jamais ignorá-lo, jamais escondê-lo, dispersá-lo ou negá-lo: temos de nomeá-lo, reconhecê-lo, discuti-lo e partir daí buscar a construção de soluções, ainda que tenhamos que tocar o ponto nevrálgico da distribuição da renda ou da invisibilidade do escravagismo secular.

 

*LFG – Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me: www.professorlfg.com.br.

 

 

Presídios: mais veneno para o envenenado


LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*



“O crescente drama do sistema penitenciário” é o título do editorial do jornal O Globo de 29.09.12, p. 20. Dele se extrai a seguinte contradição: “que se trata de uma trágica realidade, superlotação, condições deploráveis das prisões, submundo de agressões, ofensas morais e físicas, violação da dignidade humana, quarta maior população carcerária do mundo, mais de 500 mil presos, espremidos, crônico déficit de 200 mil vagas, equação perversa, desumana taxa de ocupação de 1,65 preso por vaga, só perde para a Bolívia (1,66), no presídio Aníbal Bruno a média de 3,6 detentos por vaga, está inviabilizada a ressocialização, há distorções, crítica situação, complexo prisional insuficiente, réus cumprindo penas em delegacias, excesso de presos provisórios (40% do total), condições degradantes, de 2005 a 2011 o volume de presos aumentou 74%, problema muito complexo, “mas com espaço para soluções mais imediatas”. Qual? Construir mais presídios (o país tem um déficit de 400 unidades).

Dizer que a “solução” para o problema prisional brasileiro é construir mais presídios (400), diante de todos os vícios e problemas citados, significa se dobrar servilmente ao discurso do populismo penal midiático da pior qualidade, o que explora escandalosamente a emoção e a ira da população (com a criminalidade e com a insegurança) para pedir mais penas, mais presídios, mais mão dura etc. É a mesma coisa que dizer que a “solução” para o analfabetismo é o fechamento das escolas, que a “solução” para quem está se afogando é o esvaziamento da boia, que a “solução” para quem está em chamas por todo o corpo é jogar mais combustível nele, que a “solução” para o envenenado é tomar mais veneno.

Essa política repressiva persistente e demagógica, que não apresenta nenhuma criatividade (tal como a do ex-prefeito de Bogotá, que reduziu drasticamente a violência), deve ser combatida com um tipo de tolerância zero. Trata-se de uma política que só explora a emotividade da população e que chegou no seu limite. Não diminuiu a taxa de nenhum crime no nosso país. Chega de embromação e de irracionalidade.

Em 1980 tínhamos 11,7 homicídios para cada 100 mil habitantes, contra 27,3 em 2010. O Brasil é o 20º país mais violento do mundo. O único país rico no top 66 (ou seja: o Brasil é o único país dos dez mais ricos que faz parte dessa deplorável lista). Chega de demagogia midiática, populista, que vende a ilusão de que a solução do envenenado é tomar mais veneno. Tome-se o exemplo de Bogotá, que diminui sensivelmente a violência com inúmeras medidas racionais (fechamento de bares, conscientização da população, controle das armas, eficácia da polícia, justiça atuante etc.).

Enquanto não abrirmos os olhos contra o populismo penal midiático, que explora dramaticamente a emoção popular, só vamos ver embromação. Se o remédio que está sendo dado ao paciente não funciona, muda-se o remédio. Ninguém persiste no remédio errado. O Brasil é o campeão mundial em encarceramento no período de 1990 a 2010 (472% de aumento). Mesmo assim, nenhum crime diminuiu. Logo, está evidente que a “solução” não é construir mais 400 presídios. A propaganda midiática da magia populista só engana as vítimas que buscam mais vitimização. Prisão só para os criminosos perversos, perigosos. No mais, penas alternativas. E uma ampla política de prevenção, totalmente ignorada no nosso país.

 

*LFG – Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me: www.professorlfg.com.br.




 

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Criminalização social, política e midiática do adolescente em conflito com a Lei


*Cristiane Batista

 

Cerca de 300 meninos e meninas da Califórnia (EUA) já foram condenados a “morrer” nas prisões por crimes cometidos quando eram adolescentes, segundo relatório divulgado em fevereiro deste ano pela organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch (www.hrw.org). Os Estados Unidos é o único país do mundo onde as pessoas que eram menores de 18 anos na época do crime cumprem penas de prisão perpétua, sem liberdade condicional. Atualmente, mais de 2.500 jovens estão cumprindo esse tipo de sentença na Califórnia. A Human Rights Watch calcula que, desde 1990, foram gastos entre US$ 66 e 83 milhões de dólares para encarcerar essa população, custos esses que só crescerão à medida em que mais jovens estão sendo condenados a passar o resto de suas vidas atrás das grades.

 
Apesar de as leis penais brasileiras serem “menos duras” com os adolescentes que cometem ato infracional, o precário sistema de medidas socioeducativas é tão punitivo quanto o exemplo californiano, visto que os direitos básicos estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não estão sendo assegurados e o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) não está cumprindo o papel ressocializador. Na verdade, está massacrando a autoestima desses adolescentes e os sentenciando a viver em uma realidade violenta - algo longe de contribuir para a reintegração à vida familiar e comunitária. Esses jovens estão inseridos em um contexto de ausência de oportunidades, de direitos.

 
No Brasil, 17,8 mil adolescentes cumpriam medida socioeducativa em 2009, de acordo com o Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei realizado pela Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente. A grande maioria, 16,2 mil, era do sexo masculino. No mesmo ano, a União investiu R$ 88.280.648,00 em programas e ações do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei (Pró-SINASE), enquanto somente R$ 21.996.850,00 foram destinados ao Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente. A informação é do Sistema de Monitoramento do Investimento Criança (SimIC), desenvolvido pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), com a consultoria da Associação Contas Abertas.

 
E qual a origem desses jovens brasileiros que vieram a cometer ato infracional? Grande parte deles é de famílias de baixa renda e tiveram pouco ou nenhum acesso às políticas públicas básicas, como saúde e educação. São meninos e meninas que viveram em um contexto social exclusivo, de ausência de direitos. Prova disso, são as informações do estudo realizado pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ, com base nos dados colhidos pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (DMF) entre julho de 2010 e outubro de 2011. O levantamento revelou que dos 1.898 adolescentes em regime de privação de liberdade que foram entrevistados, cerca de 60% possuíam entre 15 e 17 anos, e que mais da metade deles não frequentava a escola antes de ingressar na unidade de internação. A maioria desses adolescentes parou de estudar aos 14 anos. E a mais triste realidade: 8% deles não sabem sequer ler ou escrever. Porque então não está sendo feito um rígido controle da evasão escolar? O que falta para isso? Dinheiro não é.

Como se não bastasse a ausência do Poder Público no sentido de gerar educação de qualidade e oportunidades a esses jovens, eles ainda são arduamente criminalizados pela sociedade e pela mídia. De um lado estão os veículos de informação que, em grande parte, supervalorizam os atos infracionais cometidos pela criança e pelo adolescente em vez de abordar o histórico social a que eles foram submetidos, ou até mesmo apontar a carência, ou melhor, ausência de políticas públicas que atendessem às necessidades básicas desses jovens. Do outro lado, está a sociedade civil – que pede rigidez na punição dos jovens em conflito com a Lei porque é VÍTIMA da violência.
Agora eu me pergunto: no caso do Brasil, qual a efetividade da punição precoce (redução da maioridade penal) de um jovem que comete ato infracional? Está claro que punir esses adolescentes mais cedo não será a solução para a situação violenta em que se encontra o País, considerado o 20° país mais violento do mundo em 2010 (dados levantados pelo Instituto Avante Brasil). Simplesmente não é racional ignorar o fato de que crianças e adolescentes têm um grande potencial para mudar, crescer e amadurecer. Acredito que os adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, no contexto e condições precárias em que elas são aplicadas no Brasil, têm arrancadas para sempre as chances de se ressocializar.

Voltando ao caso da Califórnia: a rígida medida punitiva aplicada a meninos e meninas que cometeram ato infracional irá contribuir para a redução da violência no Estado? Porque esses jovens, ainda em desenvolvimento psicossocial, não podem ter uma segunda chance - de ser cidadão, sujeito de direitos? Essa atitude é, na verdade, uma sentença de morte para esses jovens, que perdem tão cedo o direito de gozar de uma vida.

 
*Cristiane Batista é jornalista do Institituto Avante Brasil (IAB) - Instituto da Prevenção do Crime e da Violência (www.institutoavantebrasil.com.br).

 

A evasão escolar: causas e soluções


***Conceição Cinti

Segundo estudo feito pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), em parceria com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o trabalho infantil, o fracasso escolar, as desigualdades sociais e a baixa renda familiar são alguns dos fatores determinantes para a evasão escolar.

Cerca de 3,7 milhões de crianças e adolescentes entre quatro e 17 anos de idade estão fora da escola no Brasil, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/2009). Entretanto muitos são os fatores que cooperam para a evasão escolar. Problemas provocados dentro da própria escola, como a repetência escolar - motivada muitas vezes pela a falta de dinâmica dos professores e pelas condições precárias das escolas, que por sua vez são esquecidas pelos governantes federais, estaduais e municipais. Dificuldades de acesso à escola, inexistência de transporte público, falta de espaço físico adequado, de material didático básico, de merenda escolar são também aspectos importantíssimos no sentido de manter o aluno dentro da sala de aula.

No mundo globalizado em que vivemos, a inclusão digital das crianças e adolescentes de baixa renda é um fato que não pode ser banalizado porque se constitui em uma severa excludente, que tem contribuído para que o jovem se marginalize precocemente e deixe a escola.

Há 12 anos, eu já recebia na Escola Restaurativa para atendimentos, meninos e meninas que, diante da impossibilidade de ter um computador, praticava o furto somente para ter acesso a uma “Lan House”.

Através de um levantamento estatístico específico provavelmente iremos constatar que o número de prisões por esse motivo continua aumentado, sobretudo nas pequenas cidades, em razão da ausência de políticas publicas para dotar os espaços escolares com tecnologia de ponta. Por outro lado, a Publicidade reforça a necessidade de se “ter” produtos de última geração, invadindo e encantando o imaginário social de forma que o incauto infanto-juvenil se vê na obrigação de se inserir nesse contexto a qualquer preço.

Também o Proerd - Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência, não é o mais adequado para auxiliar a escola a resolver os problemas da violência, apesar da boa intenção dos militares. Educador é educador. E Policial é Policial. Ambas as profissões são importantes no contexto social, mas cada uma tem uma missão própria dentro da sociedade. A Polícia Militar tem toda uma formação para uma destinação especifica. Os educadores têm outra formação e outra destinação.

Dentro das escolas públicas municipais e estaduais não há dependentes químicos. Em minha opinião, a presença da PM na condição de educadores, ao invés de atrair o jovem dependente ou que está prestes a entrar em confronto com a Lei, provoca a evasão desses alunos, que jamais buscarão a ajuda da escola. E nós sabemos que o elo imprescindível para uma sociedade sadia é a escola e a família. Data vênia, não é a escola e a polícia, por mais bem intencionada que esta esteja.

Segundo o professor da Unifesp, Dartiu Xavier, estudos americanos já mostraram a ineficiência do Proerd. Então, por que continuamos importando esse modelo? Acredito que isso se deve ao fato de não termos alternativa. Além disso, o programa conta com um excelente marketing. Pesquisas comprovam que projetos dogmáticos, com ensinamento de cima para baixo, não funcionam. Um modelo único não é eficaz, já que devemos levar em conta as características das pessoas que serão atendidas, as especificidades de cada comunidade, faixa etária e classe social. O que dá resultado para adolescentes e adultos jovens são os modelos participativos. O importante mesmo é promover a interação entre os alunos e focar na promoção da saúde e da educação. Não basta falar que usar substâncias psicoativas faz mal à saúde. Isso pode despertar ainda mais a curiosidade desses jovens.

Tive a oportunidade de verificar “in loco” o que diz Xavier, principalmente nas cidades do interior onde as pessoas de baixa renda são facilmente constrangidas por aqueles de detém qualquer tipo de poder. A presença policial nas escolas poderá até trazer a sensação de mais segurança aos professores - o que reconhecemos ser um direito de todos previsto em lei -, mas reduz a possibilidade da escola acolher os jovens dependentes de substâncias psicoativas ou os que estão na iminência de praticar ato infracional. Essa parcela de jovens não podem ser excluídos do contexto escolar! Pelo contrário, se a escola se colocar como catalizadora da confiança desses jovens, serão multiplicadas as chances de encaminhá-los para um futuro melhor.

Nesse sentido, vejamos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB9394/96) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A legislação prevê que esgotados os recursos da escola, a mesma deve informar o Conselho Tutelar do município. Há, portanto, uma hierarquia a ser seguida na árdua tarefa de evitar a evasão scolar, na qual o recrutamento da polícia militar não está previsto.

Aos professores, o Poder Público deve melhores salários, condições de trabalho dignas, capacitação e treinamento, para que aprendam a lidar com esse novo perfil de aluno sem abrir mão de suas seguranças. Acredito que o ideal hoje, dentro das escolas, seja a presença de uma vigorosa equipe multidisciplinar composta por psicólogos, assistentes sociais e líderes que poderão ser encontrados tanto no corpo docente, como no corpo discente. Essa interação entre professores e alunos é necessária e altamente terapêutica contribuindo para a formação ética e cívica do jovem que fará toda diferença no futuro deles. Acredito que os conflitos entre alunos, alunos e professores, professores e familiares de alunos, são existenciais e não devem extrapolar o território escolar e familiar.

Para que haja uma convivência pacífica no ambiente escolar, é necessário que haja uma boa estrutura física, assim como um corpo docente capacitado e engajado em promover a unidade da escola através da excelência na prestação de cada serviço prestado e da atenção especial na gestão da escola como um todo.

É importante ainda a criação de escolas em regime integral que ofereçam aos jovens oportunidades de formação profissional, com cursos profissionalizantes de ponta que se coadunem com o atual mercado de trabalho. Ainda, que ofereça pelo menos duas opções de curso de línguas e capacitação digital. Assim, teremos condições de não apenas prevenir, mas de capacitar meninos e meninas de baixa renda a terem condições reais de competir por um futuro melhor.

Que o esporte, a cultura e o lazer façam parte dessa malha interdisciplinar da Educação Restaurativa, onde o entretenimento seja garantido como uma forma mais ampla da inclusão social desses jovens alunos. Há verba para isso, há pessoas vocacionadas e preparadas para isso. O que está faltando é a vontade politica.

Recentemente - se é que podemos chamar de recente um fato que já vem acontecendo há quase duas décadas -, penso que podemos enumerar o recrutamento de crianças e adolescentes pelo tráfico de drogas como o principal fator da evasão escolar. Ou seja, essa “nova” e perversa modalidade de “trabalho infanto-juvenil”, que insere o jovem como agente ativo do tráfico (na embalagem e distribuição de drogas, e até como soldados do tráfico colocado no “front”) não é confessada, mas é um fato real e foi denunciado com riqueza de detalhes  pelo rapper MV Bill em seu elucidativo documentário “Falcão e os meninos do Trafico” que teve inicio em 1906. Apesar de demonstrar a chocante realidade em que vivem as crianças e adolescentes de baixa renda, nenhuma providência foi tomada pelas autoridades competentes. Ainda no mesmo documentário, podemos constatar que muitos jovens começam a trabalhar no tráfico para ajudar no orçamento da família – muitas vezes pela ausência da figura paterna-, e terminam morrendo precocemente.

Uma pergunta não quer calar: por que continuamos importando modelos inoperantes? Por que insistimos por décadas em práticas que têm se mostrado ineficazes, como os programas utilizados pelo Governo na restauração e na ressocialização dos jovens em confronto com Lei? Tudo o que temos produzido nas últimas três décadas é a dizimação dos jovens de baixa renda - o que venho denominando e denunciando de “ O Holocausto Brasileiro”. A Educação Restaurativa é o único caminho capaz de oferecer a esses meninos e meninas a chance de ter futuro mais digno.

*Conceição Cinti. Advogada e Educadora. Especialista em tratamento de Dependentes de Substâncias Psicoativas, com experiência de mais de três décadas.

**Colaborou: Cristiane Batista. Jornalista do IAB -Instituto Avante Brasil (Instituto da Prevenção do Crime e da Violência).