*Conceição Cinti
A Justiça Restaurativa, também
designada de cultura da paz, é constituída por meio de procedimentos que
aspiram à conciliação entre vítimas e agressores em crimes menos
ofensivos.
O alvo da Justiça Restaurativa é
promover o diálogo entre infrator e vítima. É conduzir o infrator à reflexão
sobre as consequências lesivas produzidas por sua conduta delituosa à pessoa da
vítima e a si mesmo, abalando também o contexto social, e oferecer a ambos uma
chance de dar às suas condições de vidas outro rumo e dessa forma contribuir
para a pacificação social.
A vítima, por sua vez, terá
oportunidade de superar o trauma causado pelo delito e de se livrar da amargura
que, em regra, tende a se transformar em ódio (doença emocional), que poderá se
tornar crônica, infiltrando-se na mente e irradiando para os pensamentos e
sentimentos. Esse ódio, quando contido, represado, pode provocar muitas doenças
(inclusive câncer) e desencadear outras patologias. Quando não administrado adequadamente,
esse tipo de sentimento redunda quase sempre em tragédias, fato que a sociedade
infelizmente parece já estar se acostumando a ver todos os dias nas manchetes
da mídia populista.
Os
sentimentos merecem maior atenção dos pais, educadores e poder público porque o
crime, em regra, é o resultado de um trauma gerado por algum tipo de sentimento
que foi banalizado, não tratado.
Nosso interesse na Justiça
Restaurativa consiste no fato de que ela não objetiva apenas a reparação do
dano ou da ofensa, mas também a busca de uma solução do conflito pelo diálogo,
cujo objetivo é desfazer a cultura da guerra, da revanche, da vingança e
construir uma pacificação que começa de dentro para fora, sarando feridas
psicoemocionais, sem, no entanto, deixar de questionar a eficácia da aplicação
da medida punitiva prevista para a infração (ato infracional ou infração penal)
cometida e garantir sua aplicação. Dentro deste contexto, a medida punitiva
(o castigo proporcional) é pedagógica e altamente terapêutica.
O ponto forte
e importante na Justiça Restaurativa (JR), na nossa avaliação, é o seu
compromisso de persuadir o infrator da necessidade de mudança por meio da
reflexão e análise do seu comportamento destrutivo e conduzi-lo ao entendimento
da sua conduta delituosa e, assim, permitir-lhe a oportunidade de mudanças que
darão ao seu destino outra dimensão. É justamente nesse ponto que a
JR se ajusta como luva à Educação Restaurativa.
Não vejo outra saída para a
violência que temos presenciado, principalmente entre jovens de baixa renda,
que não a via da Educação Restaurativa. Nos programas de restauração de pessoas
dependentes em SPA e ou delinquentes, que dirijo a mais de três décadas,
recorri às praticas restaurativas intuitivamente, como acredito que
tenha acontecido com milhares de outras pessoas no Brasil e no mundo.
Diálogo, arrependimento, perdão,
disciplina, garantia da reparação da lesão ou do crime são os elementos
fundamentais da JR, que tem alcançado êxito e propiciado o retorno da harmonia
na comunidade de origem da ofensa ou do delito.
O que denomino de Educação
Restaurativa é a utilização de um conjunto de ensinamentos (conhecimentos) que
pertencem a outras disciplinas, formando um conteúdo multidisciplinar, novo,
cujo objetivo é atender o ser humano como um todo, visando e focando no
equilíbrio mental, psicoemocional, espiritual e também físico da pessoa da
vitima, do ofensor e da própria comunidade.
Dentro deste contexto também são
utilizadas as técnicas da Inteligência Emocional e o estudo das
diferentes faces que formam a personalidade. Estas informações ensinadas ao
ser humano lhe permitirá reforçar seus talentos e exercer o controle na gestão
dos seus impulsos e ter domínio sobre as emoções, base das grandes tragédias.
Entretanto, em minha opinião dentro do contexto da JR, não há tempo hábil nem
espaço físico apropriado para uma reflexão mais profunda indispensável
para analise e cuidados dos traumas mais profundos com vistas a suas soluções,
fato que seria perfeitamente possível dentro da Educação Restaurativa que, ao
invés de ser uma sequência predeterminada de procedimentos administrativos como
acontece na JR teríamos melhores condições de analisar e trabalhar mais
profundamente os conflitos existenciais e suas causas dentro de um ambiente
escolar através da imprescindível ajuda multidisciplinar dando ênfase a
disciplina como matéria da grade do currículo da ER sem no entanto esquecer as
matérias humanistas.
Também faz parte desse currículo
restaurativo, na formação do SER, princípios espirituais tais como o amor,
tolerância, alegria, paz, generosidade, benignidade, bondade, constância,
mansidão e domino próprio. O conjunto desses ensinamentos humaniza o Ser
Humano. Transformar vidas de perversos e pervertidos.
É
possível! Por mais que, para muitos, pareça uma proposta repulsiva e até
fantasiosa.
Como já alertei, a JR vem sendo
utilizada com êxito na reconciliação de vítimas e agressores em crimes menos
ofensivos. Entretanto, em razão da experiência e intenso diálogo com colegas
que atuam na mesma área, estou convencida de que a JR poderá ser utilizada
também com êxito na maioria das modalidades de crimes, incluindo o delinquente
adulto, desde que dentro do âmbito da Educação Restaurativa que oferece maior
oportunidade em razão do leque de disciplinas e saberes que utiliza e da maior
disponibilidade de tempo investido na capacitação de um novo modelo de viver e
existir.
Acredito que a dificuldade de
expansão da JR no país é uma questão cultural que precisa ser enfrentada. O
brasileiro entende que justiça é vingança, revanche, punição extrema, dentre
essas hipóteses, a justiça com as próprias mãos, a pena de morte e torturas
fatos hoje incentivados pela mídia populista e admitidas pela nossa sociedade
(nesse sentido, Zaffaroni e L.F. Gomes).
Também acredito que dentro do
contexto escolar haja mais motivação que tem influencia direta na autoestima
para aprendizagem de novo modelo de vida. A palavra presídio pelas suas
próprias práticas já estigmatiza para sempre a todos quantos um dia passar por
ele. Estamos ouvindo ruídos de que novos modelos de presídios serão construídos
para abrigar infratores presos dependentes em SPA. Paradoxo? Diante da nova
posição conferida ao dependente químico e das mudanças que advirão em razão da
reforma do Código Penal é o que nos sugere à primeira vista a proposta dos
referidos presídios.
Em minha opinião estamos
precisando mesmo é focar na ressocialização, em especial da criança e do
adolescente que sempre esteve bem aquém do que é proposto pela lei razão pela
qual estamos presenciando deformações sociais e convivendo com um patamar de
mortes inaceitáveis.
A ressocialização é um direito do
preso menor ou maior garantido pela lei. A pena é uma punição sim, é a resposta
do Estado, que detém o direito de punir, a quem descumpri a lei, mas sem o
caráter pedagógico continuaremos a permitir barbáries e promover o que denomino
de “O Holocausto Brasileiro”.
Estou certa que essa cultura vem
ganhando espaço cada vez mais, devido à banalização do Governo com os Programas
de Políticas Públicas de Ressocialização, por décadas inoperantes, verdadeiro
instrumento de reforço à reincidência.
O objetivo principal do Estado
deveria ser, não apenas a punição, mas a conscientização sobre o erro e a busca
incessante e adequada da ressocialização e da inclusão do recluso na sociedade.
O Governo, entretanto, se deixa levar pela pressão da sociedade (poder
econômico) e também pela mídia populista e deixa de cumprir seu papel
primordial de gerir para o bem de todos a parcela da nossa liberdade que lhe
foi cedida com o objetivo exclusivo de que fosse assegurando o bem de todos sem
fazer acepção de pessoas.
A inexistência de uma
ressocialização operante tem sido a causa dos desmandos, torturas, e mortes,
muitas mortes de crianças e adolescente o que denomino de “ O Holocausto
Brasileiro” e precisa ser resolvido como prioridade para que possamos nos
declarar uma democracia.
Sei que esse assunto é evitado e
causa desconforto, porém entendo que essa bandeira precisa ser levantada e priorizada
e de sua resolução aproveitará um país inteiro. Um coisa é certa: o Governo
precisa cumprir seu papel sem se pautar pelo que acha os poderosos e a mídia
populista para fazer cessar as mortes.
Parafraseando J. Kennedy: “o
segredo do sucesso eu não sei, mas o da derrota é querer contentar a todos.”
Enquanto o Governo não fizer sua parte e deixar de querer satisfazer apenas a
vítima, jamais alcançaremos um patamar aceitável de mortes principalmente do
infanto-juvenil.
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