Todos os dias são
assassinados, em média, 11 adolescentes com idade entre 12 e 17 anos no Brasil
* Conceição Cinti
A aversão da sociedade civil contra o adolescente em
conflito com a Lei não é gratuita. Vem sendo gestada no coletivo social ao
longo de décadas. É fruto de inúmeros fatores, alguns preponderantes.
O preconceito funciona como “abre alas” das barbáries
cometidas contra esse segmento, simultaneamente seguido pela intensa
indiferença da sociedade civil que os enclausura derrubando todas as pontes que
possibilitariam a reabilitação desses jovens provenientes de famílias de baixa
renda. Esse fato é censurável e passível de reparação porque é desumano.
Essa indiferença também pode ser traduzida pela ausência
do Poder Público nas questões prioritárias para solução de problemas
enfrentados pela população de baixa renda, em especial nas áreas da educação,
moradia, esportes, lazer, entretenimento e capacitação profissional. Em
síntese, segundo o mestre Zaffaroni**, há apenas duas causas basilares para
tamanho mortifício: renda per capta e má distribuição de renda.
A falta de transparência nas informações transmitidas a
respeito dos “Programas de Ressocialização” empregados pelo Poder Público na
restauração desses jovens não traduz a verdade e, ainda, distorce e nega a
existência do que denomino “O HOLOCAUSTO BRASILEIRO”.
O tratamento Governamental aplicado aos adolescentes em
conflito com a Lei ao longo dos anos restou cabalmente provado como inadequado
inoperante. A indiferença do Poder Público e da Sociedade Civil quando se trata
do destino do jovem infrator permite que a mídia populista conduza esse grave
problema à sua maneira, ou seja, ao invés abrir os olhos e conduzir a população
pelo o caminho da solidariedade onde cada pessoa passa a ser um agente social
empenhado na busca do equilíbrio das relações, da pacificação e pela justiça
social, o que temos assistido é uma pregação sistemática a favor da revanche e
da vingança, que geram apenas mais mortes.
De acordo com dados do Sistema de Informações sobre
Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde (Datasus), todos os dias são
assassinados, em média, 11 adolescentes com idade entre 12 e 17 anos no Brasil. Isto acontece sem que essas mortes sejam
questionadas e que seus responsáveis diretos e indiretos sejam investigados e
punidos. Inaceitável num país que se diz democrático e respeitador dos direitos
humanos. O Governo mente a respeito dos investimentos feitos na vida das
crianças e adolescentes de menor renda e a sociedade civil nada questiona para
neutralizar e impedir que a verdade venha à tona. Na verdade, ambos, Poder
Público e Sociedade Civil pouco se importam com o futuro das crianças e
adolescentes de baixa renda, que são tratados como uma categoria inferior,
denominados irrecuperáveis, repulsivos, ou ainda, de acordo com a classificação
do renomado jurista Luiz Flávio Gomes***, indefensáveis, prisionáveis e mortáveis.
Triste engano porque enquanto a sociedade capitalista tem
olhos apenas para seus investimentos e enriquecimento econômico, perde-se a
preciosa sensibilidade de enxergar que a manutenção do modelo de sociedade
escravagista é algo ultrapassado e desencadeia o “efeito boomerang”, que já
começou e tem atingido a todos, indistintamente.
O Governo não deve explicações à sociedade civil, que
pouco se importa com o destino desses jovens sacrificados, mas às famílias
desses jovens mortos injustamente e à comunidade a qual eles pertenceram. Cabe
ao Governo esclarecer as causas da morte de cada adolescente vítima do descaso
do Poder Público. Além de um pedido de perdão às famílias, também devem estar
sujeitos à punição por negligenciar, na gestão desse segmento social, sob sua
inteira responsabilidade: vidas de crianças e adolescentes.
Poder Público e Sociedade Civil terão que
parar e refletir. E qual a importância desta reflexão?
A busca da única saída civilizada: A sociedade civil deve
se pautar pela Lei, e a Justiça garantir o cumprimento desta. O que passar
disso é totalitarismo e não se coaduna com o Estado de Direito em que vive o
país. Por essa razão, deve ser denunciado e corrigido.
* Conceição Cinti é advogada, educadora, especialista em
Tratamento de Dependentes em Substâncias Psicoativas, com experiência de mais
de três décadas.
** Eugenio Raul Zaffaroni é Ministro da Suprema Corte
Argentina. Professor titular e diretor do Departamento de Direito Penal e
Criminologia na Universidade de Buenos Aires. Doutor honoris causa da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica de
Brasília. Vice-presidente da Associação Internacional de Direito Penal - AIDP.
***Luiz Flávio Gomes é jurista e professor. Fundador da
Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e co-editor
do atualidadesdodireito.com.br.
Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado
(1999 a 2001). Siga-me: www.professorlfg.com.br.
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