quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Aversão da sociedade e do Poder Público ao adolescente em conflito com a Lei é o embrião da violência no Brasil


Todos os dias são assassinados, em média, 11 adolescentes com idade entre 12 e 17 anos no Brasil

* Conceição Cinti

 

A aversão da sociedade civil contra o adolescente em conflito com a Lei não é gratuita. Vem sendo gestada no coletivo social ao longo de décadas. É fruto de inúmeros fatores, alguns preponderantes.

O preconceito funciona como “abre alas” das barbáries cometidas contra esse segmento, simultaneamente seguido pela intensa indiferença da sociedade civil que os enclausura derrubando todas as pontes que possibilitariam a reabilitação desses jovens provenientes de famílias de baixa renda. Esse fato é censurável e passível de reparação porque é desumano.

Essa indiferença também pode ser traduzida pela ausência do Poder Público nas questões prioritárias para solução de problemas enfrentados pela população de baixa renda, em especial nas áreas da educação, moradia, esportes, lazer, entretenimento e capacitação profissional. Em síntese, segundo o mestre Zaffaroni**, há apenas duas causas basilares para tamanho mortifício: renda per capta e má distribuição de renda.

A falta de transparência nas informações transmitidas a respeito dos “Programas de Ressocialização” empregados pelo Poder Público na restauração desses jovens não traduz a verdade e, ainda, distorce e nega a existência do que denomino “O HOLOCAUSTO BRASILEIRO”.

O tratamento Governamental aplicado aos adolescentes em conflito com a Lei ao longo dos anos restou cabalmente provado como inadequado inoperante. A indiferença do Poder Público e da Sociedade Civil quando se trata do destino do jovem infrator permite que a mídia populista conduza esse grave problema à sua maneira, ou seja, ao invés abrir os olhos e conduzir a população pelo o caminho da solidariedade onde cada pessoa passa a ser um agente social empenhado na busca do equilíbrio das relações, da pacificação e pela justiça social, o que temos assistido é uma pregação sistemática a favor da revanche e da vingança, que geram apenas mais mortes.

De acordo com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde (Datasus), todos os dias são assassinados, em média, 11 adolescentes com idade entre 12 e 17 anos no Brasil. Isto acontece sem que essas mortes sejam questionadas e que seus responsáveis diretos e indiretos sejam investigados e punidos. Inaceitável num país que se diz democrático e respeitador dos direitos humanos. O Governo mente a respeito dos investimentos feitos na vida das crianças e adolescentes de menor renda e a sociedade civil nada questiona para neutralizar e impedir que a verdade venha à tona. Na verdade, ambos, Poder Público e Sociedade Civil pouco se importam com o futuro das crianças e adolescentes de baixa renda, que são tratados como uma categoria inferior, denominados irrecuperáveis, repulsivos, ou ainda, de acordo com a classificação do renomado jurista Luiz Flávio Gomes***, indefensáveis, prisionáveis e mortáveis.

Triste engano porque enquanto a sociedade capitalista tem olhos apenas para seus investimentos e enriquecimento econômico, perde-se a preciosa sensibilidade de enxergar que a manutenção do modelo de sociedade escravagista é algo ultrapassado e desencadeia o “efeito boomerang”, que já começou e tem atingido a todos, indistintamente.

O Governo não deve explicações à sociedade civil, que pouco se importa com o destino desses jovens sacrificados, mas às famílias desses jovens mortos injustamente e à comunidade a qual eles pertenceram. Cabe ao Governo esclarecer as causas da morte de cada adolescente vítima do descaso do Poder Público. Além de um pedido de perdão às famílias, também devem estar sujeitos à punição por negligenciar, na gestão desse segmento social, sob sua inteira responsabilidade: vidas de crianças e adolescentes.

Poder Público e Sociedade Civil terão que parar e refletir. E qual a importância desta reflexão?

A busca da única saída civilizada: A sociedade civil deve se pautar pela Lei, e a Justiça garantir o cumprimento desta. O que passar disso é totalitarismo e não se coaduna com o Estado de Direito em que vive o país. Por essa razão, deve ser denunciado e corrigido.

* Conceição Cinti é advogada, educadora, especialista em Tratamento de Dependentes em Substâncias Psicoativas, com experiência de mais de três décadas.

** Eugenio Raul Zaffaroni é Ministro da Suprema Corte Argentina. Professor titular e diretor do Departamento de Direito Penal e Criminologia na Universidade de Buenos Aires. Doutor honoris causa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica de Brasília. Vice-presidente da Associação Internacional de Direito Penal - AIDP.

***Luiz Flávio Gomes é jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e co-editor do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me: www.professorlfg.com.br.

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