domingo, 2 de dezembro de 2012

Conselho Nacional de Justiça versus Adolescentes em conflito com a lei e cumprimento das medidas socioeducativas.




 

*Conceição Cinti

Recente notícia encheu-me de esperança: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/22146:%20resolucao-vai-uniformizar-normas-para-sistema-socioeducativo. Unanimemente, o plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou proposta de resolução que dispõe sobre normas gerais para o atendimento, pelo Poder Judiciário, aos adolescentes em conflito com a lei no âmbito da internação provisória e do cumprimento das medidas socioeducativas.

Alegra-me saber que o CNJ, órgão controlador da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário (art. 103-B, CF), preocupa-se com a realidade drástica a que são submetidos os menores em conflito com a lei.

Há tempos tenho defendido a tese de que algo urgente precisa ser feito para a melhoria de condições no atendimento desses menores.

Em vários textos já publicados, aponto fatores decisivos na total incapacidade de o sistema atual ressocializar o adolescente em conflito com a lei.

Mas destaco, dentre as medidas da resolução do CNJ, a recomendação para que os tribunais de Justiça promovam, no prazo de um ano após a publicação da resolução, cursos de atualização e qualificação funcional para magistrados e servidores com atuação em matéria socioeducativa, devendo o currículo incluir princípios e normais internacionais aplicáveis.

É exatamente disso que precisamos quando se fala da atuação do Judiciário, junto a estes menores!

Há muitos anos em contato com Juízes e Promotores de Justiça da Vara da Infância e Juventude, sempre buscando estabelecer uma relação verdadeira e confortável com esses nobres pares, tenho me deparado com a grande angústia que eles vivenciam no trato diário com o infantojuvenil e também com instituições voluntárias que atuam na mesma área.

 
Sempre compreendi a grandeza da missão do Juiz e do Promotor de Justiça, principalmente quando atuam na via estreita por onde trafegam crianças e adolescentes de baixa renda em situação de risco ou confronto com a lei. Quem ousa trafegar por essa via experimenta turbulências e constrangimentos de toda ordem, na tentativa, quase sempre vencida, não obstante justa, de garantir direitos e liberdades a esses desvalidos, quase nunca compreendidos e muito menos respeitados.

 
Estabelecer e manter pontes com todos que labutam nessa árdua empreitada, deveria ser a meta de todos. Lamentavelmente, na prática, os relacionamentos entre os órgãos responsáveis pelo menor e as entidades sem fins lucrativos que também se dedicam à mesma causa são tensos, com pouco diálogo e, pior, desrespeitoso.

 
É do conhecimento público que são exatamente essas instituições sem fins lucrativos, as denominadas comunidades terapêuticas, as pioneiras no tratamento de dependentes em substâncias psicoativas. Essas abnegadas entidades têm estreito relacionamento com a delinquência juvenil, uma vez que o dependente de baixa renda (em regra, a população alvo dessas entidades), dificilmente não se tornará um delinquente. Eles têm Know Haw na restauração de pessoas. Portanto, ao invés de desacreditados não seria recomendável ativar o diálogo entre ambos, determinar a troca de experiências na busca pela ressocialização do menor de baixa renda em confronto com a lei?

 
Já apontamos, em outra oportunidade, falhas existentes no âmbito do Conselho Tutelar. Acreditamos que alguns fatores impedem o bom desenvolvimento do trabalho por parte dos conselheiros. Leia mais em: O nó da inclusão: anomalias do Conselho Tutelar, disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/22960/o-no-da-inclusao-anomalias-do-conselho-tutelar e Quem disse que menor em confronto com a Lei não vai preso?, disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/22902/quem-disse-que-menor-em-confronto-com-a-lei-nao-vai-preso.

 
Mas além do mau desenvolvimento das atividades junto aos menores, desempenhado pelo Conselho Tutelar, há ainda outro nó, apontado por mim, que impede a inclusão do menor, qual seja: a falta de preparo por parte dos operadores do Direito envolvidos no tratamento dos menores em conflito com a lei.

 
Os operadores do direito na área criminal podem testemunhar o quanto é difícil o acesso ao menor cumprindo medida socioeducativa de privação de liberdade. Quem opera nessa área que já não sentiu quão embaraçoso é enfrentar a burocracia desses “Depósitos”, para ter acesso e garantir direitos a esses relegados.

 
A severidade com que o Poder Judiciário atua na fiscalização do desempenho das instituições sem fins lucrativos que trabalham com menores não é a mesma usada pelo Poder Público na aferição dos desmandos ocorridos em seus próprios “Educandários”, que se constituem em meros depósitos de crianças e adolescentes como se fossem números e não seres humanos. E não há como a sociedade civil ter acesso às barbáries ali praticadas porque o MP e o Juiz da Vara da Infância e Juventude dificultam qualquer possibilidade de controle externo. Com todas as vênias devidas, no meu entendimento a única ponte que possibilitaria não só a visibilidade da real situação do menor em confronto com lei no país seria a possibilidade do controle externo que se coaduna com a justiça, a liberdade, o direito humanista, base do regime democrático em que vivemos. Carece de reparo urgentíssimo por parte do CNJ.

 
Há entidades inidôneas? Há, sim, gente desonesta em todas as áreas. Mas a maioria das entidades que labuta nessa área é séria e merece mais respeito. Porque fazer filantropia nessa área é muito difícil e eu até arriscaria dizer que é função para abnegados voluntários vocacionados. Entretanto, com frequência essas entidades são desrespeitadas, mormente, as de cunho religioso.

 
Por quê? Se o Estado é laico. Por que se a ciência por si só não da conta de equacionar a complexidade do ser humano, fornecendo os meios adequados e eficazes de como se deva tratar o menor em confronto com a lei?

 
A crença religiosa, muito embora seja um direito constitucional garantido à pessoa, na pratica é banalizada, quando não desmoralizada , desacreditada.

 
E neste ponto sempre indaguei: se esses desencontros acontecem no meio de Juízes e Promotores de Justiça, que representam o ápice de toda a estrutura que conduz as políticas públicas para o nossos menores, dá para termos uma ideia do que ocorre nos demais órgãos e instituições relacionados às crianças e adolescentes?

 
Jovens Promotores, Juízes e seus servidores públicos optam pela área de humanas. Mas raramente eles se sentem preparados para o trato com crianças e adolescentes, principalmente no início da carreira quando são jovens e imaturos. Em verdade, a formação deles é exclusivamente voltada para o crime e a pena, pouco sabe sobre a complexidade do ser humano, do delinquente. Fato que se agrava, e muito, quando o delinquente é uma criança ou adolescente, seres em construção e que, por essa razão, requerem mais.

 
A maioria desses jovens doutores são  provenientes de famílias de classe média ou média alta. Não conviveram com a miséria, conhecem a realidade do mundo do crime apenas na teoria, poucos sabem sobre a adversidade que enfrentam essa categoria de pessoas, e o conhecimento que detém sobre eles é apenas teórico. Em razão disso tudo, o que trazem na bagagem sobre conhecimento humano, generosidade e compaixão pelo próximo receberam dos pais. E às vezes não receberam o suficiente para libertá-los do preconceito e da indiferença com o destino do diferente, do desconhecido e esse fato poderá ser um peso negativo em suas decisões.

 
Daí a fundamental importância da medida que pretende adotar o CNJ com os cursos de atualização e qualificação funcional!

 
Não posso deixar de aproveitar a oportunidade, ainda, para lembrar   de frases brilhantes que marcaram a belíssima passagem da Min. Eliana Calmon pela corregedoria do CNJ.

 
Dentre esses preciosos dizeres  destaco: “o Judiciário vive gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga”.

 
Qual o meu objetivo em lembrar  de Calmon nesta oportunidade?

 
Ela entrou no CNJ e, destemida, revirou reprováveis condutas de quem deveria dar o exemplo na sociedade.

 
De pessoas assim que o país precisa!

 
Bom seria, se com a iniciativa deste mesmo CNJ, agora à frente do não menos corajoso Joaquim Barbosa, houvesse também uma visibilidade sobre o que realmente acontece com os menores em confronto com a lei, para que a sociedade pudesse, a partir do conhecimento desta realidade, fazer um controle externo.

 
Chamo de um possível controle externo a possibilidade (hoje inexistente) de a sociedade civil acompanhar de perto o tratamento dispensado aos menores que são entregues à Justiça e às entidades de atendimento.

 
Em minha jornada, exaustivamente fui impedida de acompanhar menores, de visitar menores e mesmo de saber qual o procedimento seria adotado com um menor que, pego em conduta desaprovada, era levado sabe-se lá para onde para ser tratado sabe-se lá como!

 

Bom seria, se o CNJ não apenas incentivasse juízes a participar de cursos de capacitação, mas que ordenasse uma abertura para a sociedade civil dos portões de fundações em que os menores são abrigados, para que soubéssemos como eles estão sendo “ressocializados”.

 
Bom seria, se o CNJ pudesse punir aquele magistrado que, pouco se importando com o futuro de um menor, entrega-lhe a um ambiente no qual ele não está preparado para sequer defender sua integridade física.

 
Bom seria se OAB fosse convidada a fiscalizar de perto a execução das medidas socioeducativas.

 
Bom seria se fossem ouvidas as vozes destes menores que são torturados e mortos, sem qualquer oportunidade de escolha por uma vida saudável e digna.

 
Bom seria se o CNJ pudesse nos ajudar em mais este avanço na sociedade brasileira. Bom seria!

 
Conceição Cinti. Advogada e educadora. Especialista em Tratamento de Dependentes em Substâncias Psicoativas, com experiência de mais de três décadas. Pesquisadora e colunista do www.institutoavantebrasil.com.br e outros sites renomados.

 


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