Se não vejo na criança, uma criança é porque alguém
a violentou antes e o que vejo é o que sobrou de tudo que lhe foi tirado”
Herbert de Souza (Sociólogo).
* Conceição Cinti
Sou radicalmente contra a redução da Maioridade
Penal porque aceitar a redução é fazer o que fazem as pessoas descompromissados
com o direito à vida do próximo: atacam a consequência mesmo sabendo que a
solução é combater e solucionar a causa.
Sou radicalmente contra a redução da Maioridade
Penal porque a adolescência é a fase de transição da infância para a vida
adulta, momento que exige investimento da família, do Estado e da sociedade e
nós sabemos que, com a derrocada da família, o recrudescimento do Estado e o
preconceito da sociedade com os menores não têm conseguido ultrapassar esses
severos obstáculos.
Sou radicalmente contra a redução da Maioridade
Penal porque creio na força transformadora que há na educação, como instrumento
de cidadania, justiça, humanização e, por convicção própria como resultado da
experiência de anos trabalhando nessa área, acredito que nenhum tipo de cadeia
pode superar a educação e contribuir para reintegração de um jovem infrator na
sociedade.
Sou radicalmente contra a redução da Maioridade
Penal porque sabemos estar estatisticamente comprovado que os jovens infratores,
são em maioria, negros, pardos portadores de baixa escolaridade e baixo poder
aquisitivo, muitos ainda na faixa da miséria. Pessoas que foram expostas, desde
a mais tenra idade, a todo tipo de violência e que nunca tiveram seus direitos
mais elementares garantidos, ou lhe foram negados, o que por si só, já os torna
em potenciais vítimas, por parte do Estado e da sociedade.
Sou radicalmente contra a redução da Maioridade
Penal porque acredito no potencial do infanto-juvenil quando ele é orientado e
incluído como ator do seu próprio projeto de vida, quando lhe dão oportunidade
de participar em pé de igualdade com os demais como protagonista de sua
história com respeito e dignidade a seu momento de maior fragilidade, que é o
momento em que ele inicia sua própria construção e desenvolvimento
psicoemocional, social e físico pelo qual passa cada criança e adolescente.
Sou radicalmente contra a Maioridade Penal porque
me recuso a repetir esse discurso de uma sociedade revanchista e
preconceituosa, corroborada pela mídia populista que prosseguem levianamente
fomentadoras da violência que tem vitimado crianças e adolescentes em confronto
com a lei e contribuído para a formação de uma consciência social perversa
ancorada unicamente na repressão, como se o sistema prisional fosse a solução
de uma problemática social tão complexa.
O sistema penitenciário brasileiro possui um total
de 514.582 presos (de acordo com os números atualizados do DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional),
com um montante desses de aprisionamentos, fatalmente os direitos e garantias
fundamentais são desrespeitados, redundado em reincidência e mortes.
Impunidade?
Aos que questionam sobre uma possível sensação de
impunidade quando se trata de atos praticados pelos jovens de 16 a 18 anos,
devemos alertar que o artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
já prevê medidas socioeducativas, que vão de atividades comunitárias — passando
por liberdade assistida — até internação.
Logo, o mais adequado é fazer com que o ECA seja
efetivamente cumprido nos estabelecimentos, onde deveria ocorrer a
ressocialização dos adolescentes.
Sustentar a redução da maioridade penal acredito
eu, é abrir mais uma brecha para permitir decisões subjetivas e com isso,
sabemos que estaremos pondo em risco a vida dos pobres e pretos, que nesse país
são prisionáveis, torturáveis e mortáveis (conforme bem ilustra o jurista Luiz
Flavio Gomes).
A violência por parte dos adolescentes existe, mas
ela sempre esteve aquém da violência praticada contra os menores colocados em
instituições que não são recuperados. Não podemos simplesmente colocá-los em
centros que são verdadeiras cadeias, que transformam os jovens em bandidos
muito mais perigosos. Segundo estatísticas, a maioria absoluta dos crimes
praticados pelos menores está intimamente ligada a bens de consumo, ou seja,
são crimes patrimoniais. Ainda segundo estatísticas, apenas 10% dos crimes
hediondos podem ser atribuídos aos menores.
Ora, não podemos generalizar para efeito de
endurecimento das medidas socioeducativas destinada aos menores infratores
tomando por base os extremos, como os psicopatas ou sociopatas; seria um
contrassenso, um grande equívoco.
Há casos, é verdade, de mortes dolosas praticadas
por menores e com requintes de crueldade, mas são casos isolados e não podem,
de forma alguma, nortear as medidas socioeducativas aplicadas aos menores
infratores sob pena do cometimento da maior injustiça que poderia macular ainda
mais o Brasil como um país que não assiste suas crianças e seus jovens, em
outras palavras, não cuida do futuro da nação, pior, permite que sejam
torturados e mortos.
Violência
Não podemos colocar a culpa da criminalidade nos
adolescentes, pois eles são vítimas de uma sociedade que não leva em conta a
dignidade da pessoa humana. É necessário mais responsabilidade por parte dos
gestores públicos com políticas de proteção à infância e à adolescência, e de
alcance à família. É preciso que a família, a comunidade, a sociedade em geral
e o Poder Público assegurem proteção e socorro em quaisquer circunstâncias e
que possibilitem à família condições de direcionar seus filhos rumo à cultura
da paz.
Enganam-se os que pensam que é a inimputabilidade
dos jovens que os atrai para o crime, pois é a falta de oportunidades, a falta
de expectativas para um futuro melhor que os leva para este caminho. Somente
por meio de políticas inclusivas (de subsistência) que abranjam saúde e
educação, bem como um policiamento responsável e comunitário, será possível
avançar na construção de uma sociedade justa e solidária (de acordo com o IPEA - Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada, o Brasil ainda possui 16 milhões de pessoas em situação de pobreza extrema, ou seja, com
renda mensal de até 70 reais).
Maioria favorável
Há sim uma maioria favorável à redução da
maioridade penal. São geralmente pessoas que se deixam influenciar pela mídia
populista e criticam duramente o menor em confronto com a lei. Defendem não
apenas medidas mais duras, mas há até aqueles que se solidarizam com o modelo
americano, vigente em alguns poucos estados daquele país, que insanamente prevê
pena perpétua sem direito a progressão de regime para essa categoria de menores,
o que seria o mesmo que admitirmos a tese lombrosiana que não encontrou
ancoragem nem na ciência, nem no direito penal pátrio.
Aceitar esse fato seria um contrassenso, seria
banalizar e reduzir uma questão de tamanha complexidade a itens que na verdade
são mais consequência do descaso do Poder Público com a criança e o adolescente
que tem provocado o que venho denominando de “O Holocausto Brasileiro”, uma
verdade que há décadas vem vitimando crianças e adolescentes e precisa ser
contido, e nunca será superado através de duras penas.
Ademais, não podemos deixar de mencionar que a
redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, contraria artigo 60, § 4º, da
Constituição Federal que não pode ser alterado (já que é cláusula pétrea), além
de desrespeitar o Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é
signatário. Segundo esse tratado, os adolescentes devem ser processados
separadamente dos adultos. De acordo com o Estatuto da criança e do Adolescente
(ECA), o Estado tem o dever de assegurar proteção integral a Criança e aos
Adolescentes.
Portanto reduzir a maioridade penal seria o mesmo
que jogar os jovens em conflito com a lei precocemente na “Universidade do
Crime”, porque é do conhecimento público a deterioração do sistema penal
brasileiro.
*Conceição Cinti. Advogada e educadora.
Especialista em Tratamento de Dependentes de Substâncias Psicoativas, com
experiência de mais de três décadas. Pesquisadora e Colunista do www.avantebrasil.com.br
e alguns sites renomados.
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