*Conceição
Cinti
Ninguém
em sã consciência é contra o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. O que
assistimos com frequência é a mídia populista tentando a todo custo influenciar
pessoas desinformadas e colocá-las contra o menor em confronto com a lei.
O
Estatuto da Criança e do Adolescente (promulgado em 1990) é fruto da luta de
movimentos sociais, de educadores, de especialistas e de pessoas preocupadas
com as condições da infância e da juventude no Brasil, num momento conturbado
da vida política brasileira. O ECA representa, sim, um marco na defesa dessas
crianças e adolescentes, mas tem falhas graves que precisam ser corrigidas
urgentemente.
Há
no ECA dois temas que, em minha opinião, na prática, ganharam uma
interpretação perversa e diversa do
que pretendeu o legislador. E este sofisma vem se arrastando e criando uma
visão que tem contribuído para dizimar nossas crianças e adolescentes.
O
primeiro tema, e mais gravoso, trata-se da questão propagada aos quatro cantos
do país de que menor não é preso e fica sempre impune. Esta
é uma inverdade que impede a inclusão, facilita a reincidência e faz aumentar,
cada vez mais, a aversão da sociedade contra o menor em confronto com a lei.
Os
menores são punidos sim. Não é verdade que eles não têm a resposta estatal
para o comportamento reprovável. De acordo com o ECA:
Art. 112.
Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar
ao adolescente as seguintes medidas:
(...)
VI - internação
em estabelecimento educacional;
(...)
Na
prática, no entanto, eles são punidos com rigor e presos. Sim presos.
Destacamos no texto da lei a “internação”, porque através dela os menores são
presos em lugares inapropriados, insalubres, sujeitando-se a tratamento
semelhante ao dispensado aos adultos delinquentes. Esquece o Poder Público de
dar a eles o tratamento condizente à condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento (art. 6º, ECA).
Não são
raras as vezes que temos conhecimento de denúncias de maus tratos e abusos
sofridos pelos menores. Veja-se notícia divulgada no Carta Capital sobre a
Fundação CASA - http://www.cartacapital.com.br/sociedade/adolescentes-relatam-maus-tratos-na-fundacao-casa/
O
infanto-juvenil é imaturo e fácil de ser persuadido. Principalmente os de baixa
renda que em geral têm também baixa escolaridade. Vivem sempre em carência
afetiva pela ausência familiar e do básico para sobreviver.
Ansioso
para pertencer a um grupo se sujeita a uma situação de total subserviência para
se sentir “acolhido” ou sentir que tem algum valor. Diante da impossibilidade
de encontrar essa valoração/projeção dentro da família, da sociedade, da
comunidade onde reside, encontra na sagacidade do delinquente adulto o
convencimento de que no crime terá espaço e apreço e dessa forma é
ilusoriamente arrastado precocemente para marginalidade e passar a cooperar
como criminoso adulto.
Esse
funesto vínculo de submissão por parte dos menores aos adultos delinquentes vem
ocorrendo a olho nu por décadas, pela ausência de políticas públicas de
prevenção e proteção aos menores e as suas famílias e clama por reparo. Esse
fato, essa ascensão do delinquente adulto sobre o menor de baixa renda é do
conhecimento de todas as autoridades que são pagas com o dinheiro público para
cuidar e proteger esses menores, mas que nada fazem.
E aqui
temos em nosso poder um documento que retrata de maneira única e verdadeira a
realidade acima descrita: “Falcão - Meninos do Tráfico” é um documentário
brasileiro produzido pelo rapper MV Bill que retratou a vida de jovens de
favelas brasileiras que trabalham no tráfico de drogas.
Negar
essa realidade retratada por MV Bill é o que tem feito o Poder Público e a
sociedade. Sabemos que esses menores desprotegidos deveriam ser amparados por
instituições que recebem do Estado e têm por lei obrigação de acolhê-los e
protegê-los, mas nada fazem.
Dentro
desse contexto, em minha opinião, a violência pode ser traduzida como a
expressão trágica de necessidades básicas não resolvidas. Às vezes somos expert
como especialistas do Direito, ou em outras áreas técnicas, mas não temos o
hábito de escutar as necessidades do outro, então deixamos de dialogar com as
necessidades desses menores.
Na
verdade a maioria de nós foge desse confronto. Esquecemos na verdade
que essas crianças e adolescentes não são apenas um número a mais num
educandário do governo e sim sujeitos de direitos. Entretanto na consciência
sabemos que enquanto não alcançarmos as necessidades e sararmos as feridas que
estão por trás das demandas desses menores, poderemos até solucionar o processo
referente a cada um deles, mas o conflito maior vai continuar.
Então
precisamos culpar alguém e o culpado será sempre o mais frágil. São os
adolescentes que fogem ao padrão comum e por aí seguimos cheios de desculpas.
Uma coisa é correta, mas não é feita: quanto mais procurarmos entender e ter a
capacidade de escutar a necessidade desses menores, seus históricos de vida,
mais seremos capazes de acolher e resolver esse impasse que tem
dizimado milhares de jovens e que venho insistentemente denunciando como o
"O Holocausto Brasileiro".
E os
números mostram a realidade desse massacre: o Brasil é um dos países mais
violentos do mundo e as maiores vítimas são os jovens. Os jovens (indivíduos
com idade entre 15 e 29 anos, de acordo com classificação acatada pela
Secretaria Nacional da Juventude) representaram, somente eles, o montante de
53,5% (ou seja, 27.977) do total dos homicídios de 2010, sendo que a faixa
etária de 20 a 29 anos (“jovens adultos”) foi a mais atingida, com 38,6% do
total (o levantamento foi realizado pelo Instituto Avante Brasil – IAB, a
partir dos dados disponibilizados pelo DATASUS - Ministério da Saúde).
Escolas
Restaurativas humanísticas que através do amor ao próximo resgate essas vidas
fariam toda a diferença. Esta é, sem dúvida, a única ponte para que cesse o que
denomino de “O Holocausto Brasileiro” e dê dignidade a esses desvalidos da
sociedade e do Poder Público.
Apenas
dentro desse contexto é que será possível questionarmos e solucionarmos a
adequada ressocialização capaz de contribuir de fato para um futuro melhor,
menos mortes, menos reincidência e a libertação desses jovens da opressão do
poder do delinquente adulto.
Na
prática esses menores são apenas crianças e adolescentes sem dono, em sua maioria,
ociosos, vagando nas periferias onde residem sem nenhuma assistência
do Poder Público quando são convencidos pelos criminosos e iniciados na
criminalidade. No início dessa associação do menor com o adulto delinquente
acredito que as razões principais seja imaturidade, inexperiência, carência
afetiva, pura necessidade de pertencer a um grupo.
Também
acredito, por experiência própria, que os menores principalmente os meninos são
mais ingênuos, acriançados e quando caem na real já estão severamente
comprometidos. A partir desse momento o vínculo, que antes era por uma bagatela
de atenção, passa a ser por uma questão de sobrevivência, falta de oportunidade
de dar às suas vidas um destino diferente. Encurralado em suas míseras
comunidades, a maioria tem no bandido o único acolhedor.
A mídia
populista ao longo dos anos tem reforçado cada mais a ideia de majoração da
punição ou até mesmo a diminuição da maioridade penal, como se fossem as
melhores, talvez as únicas saídas para a pacificação social. Neste ideal levam
junto uma sociedade revanchista que nem sequer questiona a necessidade desses
menores e de políticas socioeducativas de alcance à família, sobretudo em
periferias e comunidade carentes, como o caminho para evitar que crianças e
adolescentes sejam atraídos e se envolvam com o crime.
Esses
menores não são apenas números, mas cidadãos sujeitos de direito. Quem responde
por esses prejuízos causados ao infanto-juvenil?
Em outra
oportunidade apontarei o segundo tema, citado no início deste texto, como
responsável pela interpretação equivocada do ECA: o Conselho Tutelar.
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