*Conceição Cinti
A necessidade de Programas
de Políticas Públicas Preventivas se impõe diante de tanta barbárie cometidas
contra crianças e menores infratores. Creio ser oportuno abordamos um assunto
que tem provocado polêmica, mas que, na minha singela opinião, deveria ser
motivo de uma releitura: o "Toque de Recolher",
que sabia e pioneiramente foi utilizado pelo MM. Juíz da Vara da Infância e
Juventude da Comarca de Fernandópolis-SP., Dr. Evandro Pelarin, e imediatamente
adotada também por outros magistrados; e que comprovadamente tantos benefícios
trouxeram a todas as comunidades que a adotaram.
O que mais falta às nossas
crianças é um toque de dignidade e de carinho diante do índice inaceitável de
violência e mortes a que são submetidas; falta também muita sensibilidade,
responsabilidade por parte dos Governantes e autoridades responsáveis pelas
áreas da criança e adolescentes em risco de vida, prostituição, drogadição,
trabalho infantil, tráfico de pessoas etc.
"Toque de
Recolher" é de fato é um dos poucos instrumentos à disposição desses
Magistrados na defesa da criança e do adolescente, diante da violência reinante
no pais!
Com a experiência de mais
de 30 anos trabalhando na condição de voluntária, lutando pelos direitos de
crianças e adolescentes em situação de risco, dependentes químicos e
delinquentes juvenis, posso afirmar o quão difícil é para um Juiz da Vara da
Infância e Juventude cumprir suas obrigações, na defesa dos direito à
integridade física, mental e psicoemocional, o direito à vida dessas crianças e
jovens, mormente, nas cidades do interior do Estado de São Paulo,
onde o sistema escolar é ainda mais precário, o acesso à pratica de esportes, à
cultura e ao entretenimento não existem (em muitas cidades não chega nem
saneamento básico e serviços sociais mínimos, que dirá shoppings, quadras de
esportes e cinemas), restando a esses menores o ócio, que os desencaminha ainda
em tenra idade.
E esse menor, temos
acompanhado por meio das pesquisas, a cada dia mais se torna presa fácil do
crime organizado em todas as suas modalidades, pela omissão dos Governantes e
indiferença de uma sociedade egoísta, que torna o Apartheid Social Brasileiro,
que funciona de forma velada, porém ainda mais denso contra as pessoas de baixa
renda, nas cidades do interior, mormente, as de médio e pequeno porte como é o
caso da maioria das cidades que adotaram a medida Protetiva do "Toque de
Recolher",
como a cidade
de Fernandópolis (Veja: Justiçasuspende Toque de Recolher
em Fernandópolis, SP – portal www.globo.com).
Data máxima vênia aos que pensam
contrariamente, (inclusive alguns Tribunais que já se posicionaram e revogaram
a medida), mas diante da falta de recursos de toda ordem que essa espécie de
Magistrado enfrenta na maioria dos municípios, até nas cidades do interior do
Estado de São Paulo (considerado o Carro-Chefe da Nação), porque não ver na
medida do "Toque de Recolher" um dos poucos instrumentos de defesa a
esses míseros menores? É o mesmo que exigir desses Magistrados milagre e, ao mesmo tempo, denota a
falta de sensibilidade por parte daqueles que têm muita familiaridade com a
fria teoria e,
nenhuma, ou
pouquíssima, experiência prática, de
campo, que são coisas completamente diversas e desconhecidas por muito dos que
decidem sobre a sorte desses menores (muitos são juízes que decidem de
dentro dos seus gabinetes climatizados no conforto da Capital considerada corro
Chefe do Brasil).
O "Toque de
Recolher" é apenas uma medida que disciplina o tempo de permanência que
uma criança ou jovem menor de idade deve permanecer nas ruas, desacompanhados,
após o anoitecer, para evitar que esse menor seja vitimado pela violência
generalizada, que temos assistido, ou pior, que seja aliciado pelo crime.
Aos que alegam que a
medida "Toque de Recolher" é inconstitucional e fere os princípios do
ECA, isso não se caracterizaria um paradoxo? Não é a vida o maior bem a ser
preservado, mormente, o de crianças e adolescentes que ainda estão em processo
de formação físico-psicoemocional e mental e, por essa razão, mais vulneráveis
a todo tipo de engodo?
Também não se constitui
outro paradoxo achar que o Conselho Tutelar, que na teoria funciona com a
maestria de uma orquestra a favor do menor, mas que na pratica não tem sequer
autonomia financeira (nem para manter uma condução, um veículo disponibilizado
diuturnamente, para servir as necessidades de transportes desses menores) e
vive dos favores do Executivo? Afinal, o que é mais relevante: a preservação da vida dos menores ou a
soberania dos princípios do ECA?
A título de sugestão, não
seria mais coerente com a triste realidade desses menores que, ao invés de
mexer em uma das poucas medidas que apresentou resultados satisfatórios,
contribuindo para queda das infrações cometidas por menores que ficam vadiando
nas madrugadas desacompanhadas, se a medida fosse erigida à condição de Lei?
Há assuntos que de tão
relevantes e urgentes dispensam discussões e polêmicas, e que deveriam ser
priorizados. E esse me parece ser o caso do “Toque de Recolher" que, em
países civilizados, é Lei regulatória do comportamento: nesses países existem
deveres e direitos das crianças e adolescentes e ponto.
O "Toque de
Recolher" utilizado pela cidade de Diadema/SP, por exemplo, como
instrumento capaz de reduzir o alto índice de homicídios naquela cidade, foi
instituído com o apoio do Executivo e Legislativo, e se mantém até hoje,
ordenando que os bares e botecos (Brasil tem um milhão de botecos) sejam
fechados até 23h impreterivelmente. O povo acatou se submetendo à medida, o que
tem sido um instrumento de vida e sobrevivência pacífica para aquela cidade. Será
que a vida (o bem mais precioso do ser humano) não deve prevalecer ante a
liberdade de ir e vir tendo em vista a realidade em que essas cidades vivem (e
que não são alteradas significativamente pelo Estado)? (Veja: Fecharbares uma hora mais cedo
reduz violência em 16%, afirma estudo).
No Japão, crianças e
menores de idade nunca saem desacompanhadas, não frequentam vida noturna nem
ingerem bebidas alcoólicas e, caso isso ocorra, os pais ou responsáveis por
esses menores, bem como os estabelecimentos comerciais arcarão não apenas com
multas vultosas, mas também poderão ser presos sem direito a fiança porque lá o
princípio da igualdade de direitos é o mesmo para ricos e pobres. Não há o que
discutir porque as leis por lá são feitas para serem cumpridas por todos! A
Prevenção nos países civilizados começa na mais tenra idade (por exemplo: no
Japão as leis de trânsito começam a ser aprendidas, obrigatoriamente, na
primeira infância). Não será por essa razão que a taxa de mortes no trânsito no
Japão é tão baixa, 64,5 mortes a cada milhão de veículos em 2010 e a taxa de
homicídios é de 0,4 mortes a cada 100 mil habitantes (dados do UNODCde 2009)
Passemos então a refletir,
na prática, nos colocando na situação da criança e do adolescente vulneráveis e
dos aplicadores de leis em meio ao caos dessas cidades brasileiras,
desamparados de qualquer apoio social ou político, ultrapassando interpretações
apenas teóricas, baseadas em princípios e normas legais (que apesar de muito
bonitos e importantes, quando aplicados como fundamento isolado e genérico,
acabam por prejudicar seus tutelados em vez de protegê-los), mas avaliando em
conjunto aquilo que o direito trabalhista chama de “primazia da realidade”, e
que nas situações acima demonstradas situações poderíamos chamar de “primazia
de uma realidade destroçada”.
* Conceição
Cinti. Advogada e educadora. Especialista em Tratamento de Dependente de
Substâncias Psicoativas e Delinquente Juvenil, com experiência de mais de três
décadas. Pesquisadora. Colunista do www.institutoavantebrasil.com.bre
outros renomados sites.
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