domingo, 4 de novembro de 2012

Menores deveriam cumprir medida socioeducativa apoiados pelos pais


 

Constrangeu-me o coração ler no conceituado Jornal Folha da Região/Araçatuba-SP notícia sobre a superlotação da Fundação Casa (antiga FEBEM) em todo o estado de São Paulo. Lamentável a situação da Unidade de Araçatuba. Mas o pior foi tomar conhecimento das declarações do nobre representante do MP, Dr. Joel Furlan, quando comparou os quartos da unidade de Araçatuba semelhantes a espaços reservados em presídios pra castigos de presos por mau comportamento. Que em outras palavras é o mesmo que reconhecer que os referidos quartos da Unidade Araçá são lugares inapropriado para menores e inumanos.

 

Conheço cada palmo daquela edificação. Visitava com frequência as obras em construção daquele que eu sonhara pudesse vir a ser um educandário público exemplar. Afinal, Araçatuba é terra de vocacionados restauradores de vidas. Apenas a título de sugestão não seria bom ouvir estas pessoas? Convidá-los para participar dos Programas da Fundação Casa?

 

Contudo, sempre me questionei sobre a inadequação daquele espaço físico que apesar de contar com generosos metros quadrados, não contemplou em sua planta espaços específico para Educação, para a prática de esportes, cultura e lazer, nem oficinas destinadas a cursos profissionalizantes.

 

Lá de dentro se vê o céu ovalado pelo formato da edificação e de tão alto que são os muros. Há ausência de arborização que priva os alunos do belo e salutar contato com a natureza e que ainda lhes serviriam para atenuar o desconfortante efeito causado pelas altas temperaturas própria daquela região a maior parte do ano.

 

Tive a honra de trabalhar com muitos Promotores e Juízes das Varas da infância e Juventude de Araçatuba/SP e não só daquela região, mas de muitos estados do Brasil. Aprendendo e compartilhando experiências, contribuindo sempre com o meu melhor para constituir parcerias cujo único objetivo era somar esforços para assegurar os direitos e garantias desses menores sem donos. Nunca compreendidos e sempre discriminados.

 

Sou pioneira em Araçatuba e Região em Restauração de Vidas, devo essa missão ao mui digno Juiz aposentado, Luiz Galvão Chain, meu professor no curso de direito, quando em 1975 me fez um convite para auxiliá-lo na assistência a menores delinquentes.

 

Desde a fundação da Instituição fui responsável pela gestão da equipe multidisciplinar composta por profissionais da área medica assistente social, e, o indispensável obreiro. O obreiro/monitor é uma criatura indispensável dentro de uma equipe multidisciplinar. É uma espécie de referencia, professor, confidente do recuperando, a pessoa de confiança do recuperando que abre caminho para o restante da Equipe crie os preciosos vínculos, porque o monitor é sempre alguém que teve uma profunda experiência no mundo das drogas, na condição de dependente, conseguiu sua restauração e decidiu dedicar sua vida a restauração de outras pessoas.

 

O perfil do obreiro/monitor é de muita sobriedade, persistência, amoroso, mas alguém articulado, escolado, pronto para interferir imediatamente, porque conhece com profundidade toda a linguagem, expressão corporal, ambiência e cultura do submundo do dependente e do tráfico. Por isso suas intervenções são precisas e oportunas, o que dá conforto e maior segurança a toda equipe.

 

Iniciei meu trabalho com adolescentes e depois trabalhei apenas com adultos, inclusive fui a primeira instituição privada convidada pelo Comandante do então CPA 5, Coronel Júlio Gomes da Luiz para assistir militares dependentes em SPA. Se não fui a primeira no estado a assumir essa missão, pelo menos em Araçatuba e Região fui a pioneira.

 

Depois com o aumento de crianças a partir de seis, sete anos de idade comprometidas com crack por solicitações das autoridades competentes fiz adaptações no espaço físico da instituição e alterações na equipe para receber crianças e adolescentes.

 

No Esquadrão da Vida funcionava uma “escola de pais” cujo objetivo era fortalecer a família, reforçar o imprescindível vínculo família versos escola e trazer os pais para participarem diretamente da restauração de seus filhos, fato importante e imprescindível para o êxito de uma restauração, mormente de crianças e adolescentes.

 

Por essa razão considero gravíssima a situação da Unidade de Araçatuba que tem transferido menores para capital por dois sérios motivos: 1) Primeiro a presença dos pais e familiares é de fato imprescindível durante e depois da restauração do reeducando. Esses pais são treinados para compreender melhor seus filhos, são assistidos para que possam superar algum trauma reciproco e ensinados como devem proceder no retorno desse menor de volta ao lar. O menor com o apoio dos pais ou familiares se encorajam e esse fato é de muita importância para sua restauração. Esses menores também precisam contar com o apoio da sociedade e das suas comunidades de origem.


2) a transferência de um menor do interior do Estado, mesmo levando em consideração que o alastramento dos presídios pelo interior do Estado, propiciou e facilitou uma maiorconvivência desse menor com adultos delinquentes, ainda assim não há como comparar a sagacidadedo menor que está familiarizado com a FEBEM São Paulo, com o menor do interior que cai de paraquedas em São Paulo. Esse menor já adentra aquela Instituição em total desvantagem: por não pertencer à mesma turma, será mais cobrado, “zoado” e as chances de morrer precocemente são infinitamente maiores que qualquer mudança de comportamento para melhor.

 

Promotores e Juízes das Varas da Infância e Juventude precisam ficar mais atentos porque não são eles em hipótese alguma apenas meros encaminhadores de menores de baixa renda e em confronto com a Lei a Instituições Governamentais. Principalmente, o MP da Vara da infância e Juventude que é o responsável pela indicação ao Juiz da medida que ele julga mais apropriada para cada caso concreto devem ser corresponsáveis diretamente quando sugere e é acatada pelo Juiz essa transferência do menor, para os cuidados do estado, no caso de delinquentes adultos, eles não são tutelados pelo Judiciário, o que acontece no caso de menores.

Essa transferência pura e simplesmente, que na pratica sabemos que os procedimentos após a transferência são meros atos administrativos e ninguém fiscaliza e confere a real situação em que de fato esse menor é colocado. Esse menor ao ser transferido da esfera do judiciário precisa continuar com um amparo real de fato e de direito para evitar mais mortes, porque explicitamente não consta da Lei a pessoa responsável pelo morto, quando esse morto se perde na burocracia da justiça e do Estado esse morto não tem dono explicitamente determinado, ele vira cadáver e ninguém responde por nenhuma possível atrocidade que esse menor venha a ser vitima. Esse filme temos assistido ao longo dos anos e precisa mudar.

 

E a Instituição Casa tem o dever de propiciar todos o recursos necessários para que possamos assegurar aos nossos jovens segurança de vida uma vez que ficam à mercê do Governo na condição de tutelados para ser ressocializado, o que não tem ocorrido ao longo dos anos e é imperioso uma releitura dos velhos métodos que mais têm cooperado para reincidência, mortes, sob pena de estar contribuindo para o que venho denunciando e denominando de "O holocausto Brasileiro", com índices inaceitáveis de mortes de nossos jovem que chegam ao patamar de 11 jovens por dia!

 

A equação para solucionar o problema do menor, de baixa renda em confronto com a lei parece complicada porque esses menores sempre foram vistos e continuam como um número a mais e não como cidadãos de direitos. Também o preconceito se constitui num entrave para que restauração de pessoas não seja declarada como um fato real e possível declarada explicitamente pela Sociedade e Poder publico, e, predomine sobre o consciente social. Mas é perfeitamente possível e começa pela educação de base, respeito e dignidade pelos seres humanos, mormente, crianças e adolescentes seres ainda em construção.

 

*Conceição Cinti. Advogada e educadora. Especialista em Tratamento de Dependentes de Substâncias Psicoativas, com experiência de três décadas. Pesquisadora e colunista do site www.institutoavantebrasil.com.br e outros renomados sites.

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