Alegra-me saber que o CNJ,
órgão controlador da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário
(art. 103-B, CF), preocupa-se com a realidade drástica a que são submetidos os
menores em conflito com a lei.
Há tempos tenho defendido a
tese de que algo urgente precisa ser feito para a melhoria de condições no
atendimento desses menores.
Em vários textos já
publicados, aponto fatores decisivos na total incapacidade de o sistema atual
ressocializar o adolescente em conflito com a lei.
Mas destaco, dentre as
medidas da resolução do CNJ, a recomendação para que os tribunais de Justiça
promovam, no prazo de um ano após a publicação da resolução, cursos de
atualização e qualificação funcional para magistrados e servidores com
atuação em matéria socioeducativa, devendo o currículo incluir princípios e
normais internacionais aplicáveis.
É exatamente disso que
precisamos quando se fala da atuação do Judiciário, junto a estes menores!
Há muitos anos em contato
com Juízes e Promotores de Justiça da Vara da Infância e Juventude, sempre
buscando estabelecer uma relação verdadeira e confortável com esses nobres
pares, tenho me deparado com a grande angústia que eles vivenciam no trato
diário com o infantojuvenil e também com instituições voluntárias que atuam na
mesma área.
Sempre compreendi a grandeza
da missão do Juiz e do Promotor de Justiça, principalmente quando atuam na via
estreita por onde trafegam crianças e adolescentes de baixa renda em situação
de risco ou confronto com a lei. Quem ousa trafegar por essa via experimenta
turbulências e constrangimentos de toda ordem, na tentativa, quase sempre
vencida, não obstante justa, de garantir direitos e liberdades a esses
desvalidos, quase nunca compreendidos e muito menos respeitados.
Estabelecer e manter pontes
com todos que labutam nessa árdua empreitada, deveria ser a meta de todos.
Lamentavelmente, na prática, os relacionamentos entre os órgãos responsáveis
pelo menor e as entidades sem fins lucrativos que também se dedicam à mesma
causa são tensos, com pouco diálogo e, pior, desrespeitoso.
É do conhecimento público
que são exatamente essas instituições sem fins lucrativos, as denominadas
comunidades terapêuticas, as pioneiras no tratamento de dependentes em
substâncias psicoativas. Essas abnegadas entidades têm estreito relacionamento
com a delinquência juvenil, uma vez que o dependente de baixa renda (em regra,
a população alvo dessas entidades), dificilmente não se tornará um delinquente.
Eles têm Know Haw na restauração de
pessoas. Portanto, ao invés de desacreditados não seria recomendável ativar o
diálogo entre ambos, determinar a troca de experiências na busca pela
ressocialização do menor de baixa renda em confronto com a lei?
Mas além do mau
desenvolvimento das atividades junto aos menores, desempenhado pelo Conselho
Tutelar, há ainda outro nó, apontado por mim, que impede a inclusão do menor,
qual seja: a falta de preparo por parte dos operadores do Direito envolvidos no
tratamento dos menores em conflito com a lei.
Os operadores do direito na
área criminal podem testemunhar o quanto é difícil o acesso ao menor cumprindo
medida socioeducativa de privação de liberdade. Quem opera nessa área que já
não sentiu quão embaraçoso é enfrentar a burocracia desses “Depósitos”, para
ter acesso e garantir direitos a esses relegados.
A severidade com que o Poder
Judiciário atua na fiscalização do desempenho das instituições sem fins
lucrativos que trabalham com menores não é a mesma usada pelo Poder Público na
aferição dos desmandos ocorridos em seus próprios “Educandários”, que se
constituem em meros depósitos de crianças e adolescentes como se fossem números
e não seres humanos. E não há como a sociedade civil ter acesso às barbáries
ali praticadas porque o MP e o Juiz da Vara da Infância e Juventude dificultam
qualquer possibilidade de controle externo. Com todas as vênias devidas, no meu
entendimento a única ponte que possibilitaria não só a visibilidade da real
situação do menor em confronto com lei no país seria a possibilidade do
controle externo que se coaduna com a justiça, a liberdade, o direito
humanista, base do regime democrático em que vivemos. Carece de reparo
urgentíssimo por parte do CNJ.
Há entidades inidôneas? Há,
sim, gente desonesta em todas as áreas. Mas a maioria das entidades que labuta nessa área é séria e merece mais
respeito. Porque fazer filantropia nessa área é muito difícil e eu até
arriscaria dizer que é função para abnegados voluntários vocacionados.
Entretanto, com frequência essas entidades são desrespeitadas, mormente, as de cunho religioso.
Por
quê? Se o Estado é laico. Por que se a ciência por si só não da conta de equacionar a complexidade do ser
humano, fornecendo os meios adequados e eficazes de como se deva tratar o menor
em confronto com a lei?
A crença religiosa, muito
embora seja um direito constitucional garantido à pessoa, na pratica é
banalizada, quando não desmoralizada , desacreditada.
E neste ponto sempre
indaguei: se esses desencontros acontecem no meio de Juízes e Promotores de Justiça,
que representam o ápice de toda a estrutura que conduz as políticas públicas
para o nossos menores, dá para termos uma ideia do que ocorre nos demais órgãos
e instituições relacionados às crianças e adolescentes?
Jovens Promotores, Juízes e
seus servidores públicos optam pela área de humanas. Mas raramente eles se
sentem preparados para o trato com crianças e adolescentes, principalmente no
início da carreira quando são jovens e imaturos. Em verdade, a formação deles é
exclusivamente voltada para o crime e a pena, pouco sabe sobre a complexidade
do ser humano, do delinquente. Fato que se agrava, e muito, quando o
delinquente é uma criança ou adolescente, seres em construção e que, por essa
razão, requerem mais.
A maioria desses jovens
doutores são provenientes de famílias de
classe média ou média alta. Não conviveram com a miséria, conhecem a realidade
do mundo do crime apenas na teoria, poucos sabem sobre a adversidade que
enfrentam essa categoria de pessoas, e o conhecimento que detém sobre eles é
apenas teórico. Em razão disso tudo, o que trazem na bagagem sobre conhecimento
humano, generosidade e compaixão pelo próximo receberam dos pais. E às vezes
não receberam o suficiente para libertá-los do preconceito e da indiferença com
o destino do diferente, do desconhecido e esse fato poderá ser um peso negativo
em suas decisões.
Daí a fundamental
importância da medida que pretende adotar o CNJ com os cursos de atualização e
qualificação funcional!
Não posso deixar de
aproveitar a oportunidade, ainda, para lembrar
de frases brilhantes que marcaram
a belíssima passagem da Min. Eliana Calmon pela corregedoria do CNJ.
Dentre esses preciosos
dizeres destaco: “o Judiciário vive
gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da
toga”.
Qual o meu objetivo em
lembrar de Calmon nesta oportunidade?
Ela entrou no CNJ e,
destemida, revirou reprováveis condutas de quem deveria dar o exemplo na
sociedade.
De pessoas assim que o país
precisa!
Bom seria, se com a
iniciativa deste mesmo CNJ, agora à frente do não menos corajoso Joaquim
Barbosa, houvesse também uma visibilidade sobre o que realmente acontece com os
menores em confronto com a lei, para que a sociedade pudesse, a partir do
conhecimento desta realidade, fazer um controle externo.
Chamo de um possível
controle externo a possibilidade (hoje inexistente) de a sociedade civil acompanhar
de perto o tratamento dispensado aos menores que são entregues à Justiça e às
entidades de atendimento.
Em minha jornada,
exaustivamente fui impedida de acompanhar menores, de visitar menores e mesmo
de saber qual o procedimento seria adotado com um menor que, pego em conduta
desaprovada, era levado sabe-se lá para onde para ser tratado sabe-se lá como!
Bom seria, se o CNJ não
apenas incentivasse juízes a participar de cursos de capacitação, mas que
ordenasse uma abertura para a sociedade civil dos portões de fundações em que
os menores são abrigados, para que soubéssemos como eles estão sendo
“ressocializados”.
Bom seria, se o CNJ pudesse
punir aquele magistrado que, pouco se importando com o futuro de um menor,
entrega-lhe a um ambiente no qual ele não está preparado para sequer defender
sua integridade física.
Bom seria se OAB fosse
convidada a fiscalizar de perto a execução das medidas socioeducativas.
Bom seria se fossem ouvidas
as vozes destes menores que são torturados e mortos, sem qualquer oportunidade
de escolha por uma vida saudável e digna.
Bom seria se o CNJ pudesse
nos ajudar em mais este avanço na sociedade brasileira. Bom seria!
Conceição
Cinti. Advogada e educadora. Especialista em Tratamento de Dependentes em
Substâncias Psicoativas, com experiência de mais de três décadas. Pesquisadora
e colunista do www.institutoavantebrasil.com.br e outros sites renomados.