sexta-feira, 19 de julho de 2019

É possível conciliar educação e trabalho para adolescentes com 14 anos de idade



*Conceição Cinti
  
"Quando um moleque de nove, dez anos vai trabalhar em algum lugar tá cheio de gente aí 'trabalho escravo, não sei o quê, trabalho infantil'. Agora, quando tá fumando um paralelepípedo de crack, ninguém fala nada”, disse o nosso presidente. 

Com a devida vênia a todos devo dizer que se um menino é pego fumando um paralelepípedo de crack, é porque tudo está errado nesse país, e que a infância pobre precisa ser urgentemente protegida. 

Porque lugar de menino é na casa da família, cuidado pela família; e na falta dela, numa sala de aulas, de uma escola pública bem segura, em regime integral com educação de excelência.

E se um menino é pego fumando um paralelepípedo de crack, alguém deve ser responsabilizado, porque um paralelepípedo de crack smj não vai parar como por mágica na mão de um menino.


Estamos no inicio de um Novo Governo, há muitas coisas a serem concertadas e outras tantas implementadas, coisas relevantíssimas, das quais seria um grande equívoco suprimir a educação, desse primeiro momento.  

Mas creio que uma das providencias mais adequada e justa para evitar que menores se droguem, e também participem da venda de drogas é aumentar a pena do Crime do Corruptor de Menores, prevista no Art. 244-B, do Estatuto da Criança e do Adolescente ECA, sob o título Corrupção de Menores. 

Diz o referido artigo: Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos). Concordemos que é muita pouca pena, para esse adulto que explora nossas crianças e adolescentes, você não acha? Porque muito pouco se faz pela situação do menor infrator, pobre e negro no Brasil, essa é a verdade. 

Entretanto, nesse momento em que o Brasil está debruçado exatamente sobre o tema Corrupção, na árdua luta para coibir toda forma de Corrupção (através de penas mais severas), eu vejo, o momento oportuno para uma revisão no Art. 244-B, do ECA. Haverá corrupção mais perversa do que a corrupção de menores? 

É fato que o menor vem a décadas sendo usado, manipulado, explorado, pelo adulto criminoso. Também é fato que por mais que um menor seja astuto, um adulto profissional do crime tem os ardis para persuadir o menor, em geral vulnerável e em carência afetiva e material. 

Haverá fato mais perverso contra o menor de idade, que continuamos tolerando que adultos criminosos continuem usando nossas crianças e adolescentes pobres, para cometimento de crimes? Não. É uma barbárie permitir que esses criminosos adultos continuem induzindo nossos menores à pratica de crimes, e continuem sendo beneficiados, com pena tão branda.

Atentando-se aos princípios de justiça e proteção, que norteiam o Estatuto da Criança e do Adolescente, entendo perfeitamente cabível e oportuno uma majoração severa na pena do Crime de Corrupção de Menores, prevista pelo Art. 244-B, do ECA, incluindo-o entre os crimes hediondo, sem direito a progressão de regime e  fixando  em 10  (dez) anos a pena base,  para o corruptor de menores: O adulto que de alguma forma colabora para desencaminhar o menor, e levá-lo para o crime. 

O objetivo da sociedade civil e do Poder Público precisa se coadunar com o objetivo do Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA, porque é o apropriado e o mais justo socialmente:  Proteger para Ressocializar o menor, e integrá-lo a sociedade. 

Acredito que se apenarmos com maior rigor esse adulto criminoso, que há décadas vem aliciando e inserindo esses miseráveis menores no mundo do crime, valendo-se de sua fragilidade emocional e da falsa percepção de impunidade vai surtir o efeito que precisamos para manter a violência contra esse menor, pelo menos em patamares aceitáveis. 

É necessário percebermos que o argumento de que cada vez mais os adultos se servem de adolescentes para prática de crimes, não é uma percepção é um fato nefasto, de décadas de execração que não apenas têm pesado sobre a pessoa dos menores, mas têm dizimado nossos meninos e meninas, isso por si só já justifica está a majoração severa da pena para o infrator adulto.

Não há nenhuma coerência em punir com maior rigor o menor (mandado, manipulado). Puna-se severamente o Corruptor aquele que é o mandante do menor. Se a questão é eficácia da lei penal, qual a lógica em punir o menor e preservar o Corruptor, o mandante, que por décadas vem se beneficiando da mão de obra desses menores sem dono?

E, concomitantemente, com a majoração da pena ao corruptor de menores, é preciso que haja investimento maciço em educação de qualidade, em regime integral e cursos profissionalizantes de ponta no mercado de trabalho, isso, sim, será para esses menores, o caminho adequado e justo, que poderá garantir lhes um futuro digno. 

E dentro do quesito educação tem que haver espaço para reflexão e inserção da mão de obra do adolescente (com 14 anos de idade), até como uma forma de impedir que esse menor continue a ser cooptado pelo crime organizado, pelo adulto criminoso, como vem acontecendo há décadas, sem que nada seja feito para impedir a corrupção desses menores.  

Sei que esse assunto é polêmico, mas, devido as péssimas condições e a degradação em que vivem a maioria dos menores de baixa renda, considero a combinação do estudo e do trabalho (a partir dos 14 anos completos), imprescindível, desde que para isso haja um comprometimento por parte do Poder Público, na contratação de Gestores capacitados e vocacionados humanisticamente, para liderar sobre esses adolescentes. 

O país necessita de um investimento maciço em educação, cursos profissionalizantes de ponta no mercado de trabalho, esportes, cultura, entretenimento, e um programa que permita o acesso do adolescente de baixa renda ao primeiro emprego, dando a eles uma perspectiva real de futuro. Porque a desesperança em relação ao futuro é o agente facilitador para a arregimentação desses menores, por parte do crime organizado.  Veja que estou falando em conceder ao adolescente de baixa renda, a oportunidade de trabalho com dignidade, que é totalmente diferente, do que vem acontecendo com os nossos menores; que têm sido explorados e usados como mão de obra escrava. 

Sim. É preciso investir em educação de qualidade em regime integral, melhor remunerar os mestres; garantir vagas em creches de acordo com a demanda, construir mais salas de aulas do que presídios. Em fim melhorar os Serviços Sociais, porque é através deles que a vida da população de baixa renda adquire qualidade de vida, e consequentemente reduz-se a violência. 

Porém, a sociedade brasileira tem se mostrado bastante tolerante não só em relação ao trabalho infantil, mas com o destino deles. Entretanto, essa tolerância se deve ao fato de estarmos falando não de todas as crianças brasileiras, mas de uma categoria de crianças brasileiras: as crianças pobres, que não têm nenhuma representatividade.  Porque no Brasil tem mais importância ter representatividade no Congresso Nacional, do que ter os direitos básicos garantidos pela Constituição Federal. 

A Carta Magna e o Estatuto da Criança e do Adolescente do Brasil, são peças literárias monumentais, se fossem cumpridos não teríamos chegado a essa barbárie que há décadas vem facilitando a matança indiscriminada do infanto-juvenil. 

O Brasil é o segundo país mais encarcerador. Tem construído mais presídios que salas de aula e creches. E por isso a é verdadeira a afirmativa do Jurista e Deputado Federal, Luiz Flavio Gomes: “País que investe mais em presídios que escola está gravemente enfermo.” 

Contudo, a sociedade civil apoiada pela mídia exige tão somente penas mais severas, como a única forma de aplacar a violência e inibir as mortes.  As penas são necessárias, até as mais severas. Entretanto, a educação é imprescindível.  E só a educação já comprovou que produz mudanças positivas, desenvolvimento socioeconômico e humanístico de um país. 

Os menores brasileiros pobres têm sido vítimas de todo tipo de exploração. A mão de obra infantil é usada indiscriminadamente: nas minas de carvão, também de forma insalubre na agricultura, no trabalho doméstico (que é quase invisível), no trabalho nas ruas, na exploração sexual, e pelo crime organizado, nas comunidades e nas periferias das cidades pequenas, também.

E este fato maldito é do conhecimento de todos. Há um conluio orquestrado contra o infanto-juvenil pobre no Brasil, há uma omissão deliberada por parte da maioria dos Gestores Públicos que têm o dever de cuidar e administrar para que os direitos fundamentais desses menores sejam garantidos, mas ao invés disso são prevaricadores impunes. Porque não há lei que garanta a punição para o gestor publico (executivo e judiciário) que prevarica, e por descaso causa danos à saúde e a vida desses menores.  Mas isso tudo é passível de mudanças e elas começam através do fio condutor de ouro: a poderosa vontade politica.

Acredito que essa ideia de que deva haver assistência integral ao menor seja um sonho antigo ninado no coração da população de baixa renda, que também vota e elege nossos governantes, mas não se vê defendida, representada.

A ideia está posta. Escola com excelência de ensino e trabalho digno aos adolescentes. E para as nossas crianças vagas nas creches e nas salas de aulas, tantas quantas forem necessárias para cobrir a demanda. Nossas crianças estão famintas de alimentos: feijão, arroz, e uma proteína qualquer que lhe assegure a sobrevivência. Mas nosso infanto-juvenil também está faminto de afeição. Bem oportunas as preciosas lições do saudoso estadista Nelson Mandela, pois correspondem à verdade:  “Ninguém nasce odiando outra pessoa. As pessoas são ensinadas a odiar, e se são ensinadas assim, elas podem aprender a amar, porque o amor chega mais naturalmente ao coração do homem que o oposto”.

O alimento supre as necessidades do físico. O amor supre a necessidade da alma e, garante a paz social.  

Celso Athayde e MV Bill através do documentário incontestável, denominado: Falcão os meninos do tráfico trouxe à tona a realidade de meninos nas comunidades do Rio de Janeiro, (que iniciam o trabalho para o crime organizado, com 6, 7, 8 anos, como olheiros, fogueteiros; embaladores das drogas vendidas no varejo; e como soldadinhos do tráfico seguem na hierarquia, e precocemente são mortos como seus supostos comandantes). São esses meninos de baixa renda, sem dono,  obrigados desde cedo a prover o sustento da família; que não resistem ao assedio dos criminosos adultos, porque são duplamente carentes: carente emocional e financeiro. O referido documentário, também alertou que essa corrupção dos menores cariocas, na verdade é o protótipo do que acontecesse no restante do país. 

O referido documentário iniciou em 1998 e foi finalizado em 2006.  Considero esse documentário um dos mais importantes registros para quem deseja entender o problema da violência no Brasil, e a real situação de abandono das crianças e adolescentes de baixa renda. 

Levando em consideração que o inicio do documentário ocorreu em 1998 estamos ai numa defasagem de duas décadas, sem que medidas adequadas tenham sido   implementadas para garantir direitos fundamentais e cessar a violência e morte desses menores.  Serviços Sociais não foram implantados nas comunidades e periferias das cidades, e do resultado da ausência do Poder Público, surgiu o Poder Paralelo, realizado através do Crime Organizado (Tráfico de drogas) e das Milícias. Simples assim. Como terras sem donos esses criminosos foram se infiltrando e oprimindo as massas que sobrevivem da mercê do Poder Público.  Do jeito que está o Brasil só o Poder Público, com seu fio de ouro: a Vontade Política poderá mudar o destino do país.



*Conceição Cinti.  Advogada e Educadora. Especialista em Tratamento de Dependentes de Substancias Psicoativas e Delinquência Juvenil, com experiência de mais de três décadas.




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