domingo, 9 de abril de 2017

Todos merecem uma nova chance, inclusive o Goleiro Bruno


* A esposa do goleiro Bruno o espera na saída do cárcere. 
- Crédito: gazetapress.com

*Conceição Cinti 
O goleiro Bruno estreou ontem e foi muito bem apesar das pressões que vem sofrendo. Aqui no Brasil banalizamos a arte de restaurar pessoas, e somos levados a acreditar que apenas coisas, obras de arte e logradouros públicos são possíveis de restauração. Entretanto, esse entendimento faz parte da cultura punitivista do pais. Mas é perfeitamente possível à restauração de pessoas, e o Brasil tem resultados exitosos nessa complexa área desde meados dos anos 60. (Comunidades Terapêuticas).


Por essa razão faço minhas as palavras do Presidente do Clube Boa Esporte da cidade de Varginha-RJ, Rone Moraes quando disse: "Não estou aqui para julgar, o Bruno está aqui porque conseguiu sua liberdade. Foi através da maior corte do país, o STF. Se o ministro Marco Aurélio concedeu a liminar para ele, eu não tenho direito a julgar, mas de dar oportunidade a ele," avaliou.

Nobre gesto esse do presidente do Clube Boa Esporte, Rone Moraes, que com dignidade tem resistido a todas as críticas destrutivas, e persiste na oportunidade que o clube da ao goleiro para que ele recomece sua vida. Corretíssima, essa postura que merece não só ser comemorada, mas também imitada. O referido presidente sabe o que diz. Uma vez que há entre o Clube Boa Esporte, da cidade de Varginha-RJ e a Prefeitura Municipal, um convenio já exitoso na Recuperação, Ressocialização e Reinserção de ex-presidiarios para aquela comunidade.

Porém, a referida contratação causou grande repercussão na mídia e nas redes sociais e, sobretudo, negativas, mas é importante observar que esta repercussão negativa da sociedade não foi espontânea, e sim orquestrada pelo Jornalismo Policial que de continuo se arvora na condição de Juiz e mais uma vez decide que ex-presidiário não merece uma chance para recomeçar e sim voltar para o cárcere.

Ocorre que nem mesmo o censurável homicídio de Elisa Samudio poderá retira do Bruno sua condição de atleta do futebol. Antes do terrível episodio, ele jogou em grandes equipes do futebol brasileiro, Atlético-MG, Flamengo e Corinthians, (na época era cotado para seleção brasileira), é reconhecido como um bom profissional da área, e esses fatos o tornaram uma pessoa publica. O que aguça ainda mais a curiosidade sobre tudo que ele venha a protagonizar. 

Seus oponentes ficaram furiosos pelo fato de Bruno haver concordado com a solicitação de alguns transeuntes para que fizesse uma self juntos, alegando que tais fato poderiam ensejar uma péssima influencia para os jovens brasileiros. Sim, os jovens são sempre mais receptíveis, mais influenciáveis, mas também mais sensíveis, e o Bruno de hoje após a dura experiência de mais de seis anos e meio preso em regime fechado reuni todas as condições para reverter seu “statuo quo” e se tornar um novo cidadão: trabalhador e idôneo e um pai afetuoso e responsável. Por que não? Se não vejamos: Durante o período em que esteve preso casou se, amadureceu e consolidou seu casamento. Tem na pessoa sua esposa uma parceira de primeira hora e esse fato tem tudo a ver com o surgimento do novo Bruno. Foi um presidiário de bom comportamento e está focado e disposto a reaver sua vida, como atleta, como marido e como pai. 

Bruno passou por fases complicadas e difíceis como qualquer preso que enfrenta o sistema carcerário brasileiro, mas desde o iniciou do cumprimento da sua pena, tão logo ele conseguiu se estabilizar emocionalmente, nunca negou que tinha esperança e projetos para voltar ao futebol. E qual é o problema que impede que Bruno retorne ao futebol? Essa interrogação é uma oportunidade para nossa reflexão particular. 

Por razões profissionais e de vocação desde muito jovem tenho familiaridade com o espaço carcerário brasileiro, podendo afirmar que mesmo com um sonho na mente e no coração, e uma vontade férrea, ainda assim é muito difícil sobreviver ao cárcere brasileiro. Mas Bruno sobreviveu com o apoio incondicional da sua esposa, uns raros amigos, e a vida continua.

No Brasil a pena é um castigo rigoroso sim imposto aos criminosos, a ser cumprida nos temíveis cárceres brasileiros, onde predomina a barbárie e as mortes são incontáveis e nunca contabilizadas, de pobres, negros e periféricos, e pessoas destituídas de qualquer tipo de poder.

Num pais como o Brasil, que detém o primeiro lugar em encarceramento, com uma população estimada em mais de 600 mil presos, não perdendo nem para os USA, e com a terrível fama de também ser o 2º lugar dentre os países que mais mata pessoas, apesar disso, o objetivo principal da pena ainda continua sendo a ressocialização e a reinserção do presidiário na sociedade, é o que diz a Lei de Execuções Penais.

Assim, todo comportamento que estimula a justiça com as próprias mãos (ou propicia entendimentos subjetivos e julgamento das pessoas diante das câmaras de Tvs visando anular a soberania dos Tribunais), não se coaduna com o nosso Código Penal em vigor e o Estado de Direito vigente  por esse motivo precisa ser repudiado.

No Brasil onde a violência é crescente e letal, a ressocialização e a reinserção do preso além de ser um dispositivo legal previsto por lei é imprescindível como instrumento para baixar o patamar inaceitável de violência e mortes, mas não é. Por quê? Pelo absurdo Poder que a Mídia detém como fabrica de opinião. Através do denominado Jornalismo Policial com Programas Diários em Rede Nacional promovem uma confusão deliberada na sociedade, (na maioria dos casos não é um movimento espontâneo das massas), sempre é orquestrado pela própria mídia, não visando ajudar na elucidação dos fatos, mas apenas por ibope incita o clamor público não por justiça, não pela solução adequada, mas por puro Revanche. No estado atual de direito dá ouvidos a essas vozes seria retroceder nas duras conquistas humanitárias civilizatórias à Lei de Talião.

É nesse preciso momento que temos condições de identificar se a mídia é realmente compromissada, livre e disposta a lutar pelo o Estado de Direito e Justiça Social. A quem interessa esse tipo de clamor? A turma do Slogan: “Bandido bom é bandido morto” que não pode ser aceito como solução por uma nação que se diz democrática.  

Já disse num outro artigo o obvio sobre o Brasil, que padece de falência múltipla: Moral, Ética, Política, Cívica e de Gestão. E como consequência o surgimento da Crueldade como uma das facetas mais dura de um Brasil gravemente enfermo pela indiferença e injustiça social, devido a ausência do Poder Público das suas funções básicas.  

Vemos isso não só através das chacinas nas periferias, morros, presídios e educandários públicos que tem ocorrido cada dia com mais frequência, e também no posicionamento do Jornalismo Policial, que com palavras assassinam a esperança já combalida das massas por um mundo melhor. Por que investir contra uma melhor qualidade de vida para o goleiro Bruno? O que aconteceu com Eliza Samudio foi cruel injusto e desumano, lamentamos, por sua vida e pela dor dos seus familiares. Mas nem por isso podemos afirmar e decidir que o Bruno não mereça outra chance. Todos merecem uma nova chance. Todos civis e militares.  Por mais que tenha sido horrível o passado de um homem, seu futuro poderá ser melhor. Para que isso ocorra é necessário não apenas muitíssimo esforço por parte ressocializando, mas da permissão de uma nova chance concedida pela sociedade, porque a lei está já a previu.

Todos merecem uma nova chance na vida. Cada pessoa é única e se devidamente amparada pode e deve reconstruir sua vida sim. Refletindo melhor a única pessoa inocente mesmo nessa sinistra historia é o filho de Bruno e Elisa, e não dá para banalizar o futuro dessa criança.  

Recordo-me que logo ao deixar o presidio (Bruno que antes tinha dificuldades até para se expressar com clareza), disse com todas as letras que pretende lutar pelo filho que outrora rejeitou veementemente. Isso é ruim ou bom para essa criança? 

O que seria melhor para esse filho: um pai assassino preso para sempre, ou um pai que matou sim, mas que se arrependeu e está disposto a recomeçar. Bruno declarou que pretende enfrentar e tentar reaver os laços afetivo com seu filho. Seria isso possível? Sim. Difícil, mas perfeitamente fatível, e quanto mais rápido se iniciar essa relação, mais probabilidade concreta de êxito, deixem o rapaz tentar! 

Não será essa vontade de Bruno já o resultado de que sua ressocialização aconteceu? Ou bandido bom é mesmo bandido morto? O que será melhor para essa criança? Um pai criminoso, um pai imprestável, inexistente, invisível, eternamente detonado, ou um pai livre, ainda com garra e esperança de recomeçar? Não precisamos banalizar o fato de que Eliza Samudio perdeu sua preciosa vida, mas nem mesmo esse motivo deve privar e condenar a criança a ficar sem pai, sem a oportunidade de ter um futuro melhor, e a médio e em longo prazo, poder desfrutar não apenas dos cuidados financeiros do seu pai, mas principalmente do afeto de seu pai? Deixa o rapaz tentar.

Sempre haverá pessoas favoráveis e contrarias, e com o Bruno não é diferente. Ele já cumpriu 6 (seis) anos e 7 meses em regime fechado. Mas esse fato não o inviabilizou como atleta, e a vida de um atleta do Futebol passa rápido, a chance que ele tanto almeja é para hoje que ele ainda tem 32 anos. Depois será tarde demais. Quem lucrará com a saída do Bruno dos gramados? A vida de Bruno e seu filho não tem importância?

Através dos microfones dos programas famosos pessoas contrárias ao retorno de Bruno ao futebol profisional, não estão deveras comprometidos com a sobrevivência minimamente civilizada dessa criança, nem com seu futuro, estão sim apenas de olho numa remunerada participação em um programa televisivo a mais, e no Ibope, na audiência, que poderá advir desse confronto, que por si só não justificam arrancar do Bruno essa chance de recomeço.

Dizer que seis anos e sete meses é pouca permanência num presídio brasileiro, é um deboche, só mesmo alguém fora da nossa realidade. Porque por mais que sejamos incautos sabemos que o número de presidiários é enorme e que haverá sempre alguém; de alguém que conhecemos, no mínimo, nessa hora em um presidio e poderá testemunhar o quão terrível é. Também é do conhecimento publico que nossos presídios tem uma função básica, que não o objetivo da pena que é Ressocializar, mas cooptar pessoas inexperientes para integrar o crime organizado; ou gradua-lo no crime.


A ausência do Estado através de Politicas Publicas de Ressocialização e Reinserção nos presídios, e a ausência da solidariedade social muito tem contribuído para o desmanche das famílias e o embrutecimento do crime. Desejar que Bruno volte à cadeia e lá “fique morfando” é uma visão apenas punitiva que nada acrescenta a sua vida e a vida seu filho. Os que pertencem a “esse coro” são indiferentes ao destino do próximo, seja ele adulto ou crianças, Civis ou militares.

O pior do retorno de Bruno ao presidio será a dificuldade de acesso ao seu filho, que urge seja iniciado o quanto antes, quando mais rápido for ativado esse relacionamento maior chance de reconstruir os laços afetivos entre pai e filho. Sem falar que a vida de um atleta do futebol é igualmente rapidíssima.

Quando a busca é por vingança pouco interessa se através dessa atitude Bruno terá menos oportunidade, ou se afastará definitivamente Bruno do seu filho (impedindo-o de pelo menos tentar essa aproximação) e poderá introjetar dentro dessa criança ainda mais ódio e nenhuma esperança de restauração. Isso não é justiça, é Revanche, e desvirtuar consciente social para que não seja aplicado o Código Penal vigente, e sim, retroceder e aplicar da Lei de Talião.

Aqui me faz lembrar um pensamento do Grande Estadista/Humanista Nelson Mandela: "Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem, por seu passado, ou sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar, pois o amor chega mais naturalmente ao coração do que o oposto. A bondade humana é uma chama que pode ser ocultada, jamais extinta". 

Esperamos que o Judiciário prossiga lúcido e não se deixe influenciar por critérios subjetivos, mas venha premiar o objetivo pedagógico da pena, que visa à recuperação do preso e sua reinclusão social, e não permita que cresça e viralize a opinião do Jornalismo Policial, no consciente social que sofismaticamente tenta propagar a ideia que quando amparamos um ex-presidiario, no caso, o goleiro Bruno, seguindo as boas pegadas do Boa Esporte Clube, ( que já tem experiência exitosa anteriores com ex-presidiarios), estaremos “premiando bandido". Fato assim corrobora apenas para minar a nossa frágil democracia, conquistada através muitos esforços, torturas e mortes.

A mídia, que poderia ser um precioso instrumento no vigor e na manutenção do Estado Democrático de Direitos está mais comprometida em manter audiência a qualquer custo (e faturar as verbas graúdas destinadas às propagandas institucionais), que na busca da verdade dos fatos e sua solução. Por causas dessas praticas é que surgiu um novo estilo de jornalismo: “O Jornalismo Policial”. Que nada soma para a formação de uma sociedade pacífica e justa, além de contribui muito para a construção da cultura do ódio, plantando no imaginário social a justiça com as próprias mãos. Animalesco. 

O Jornalismo Policial televisivo promove a execração publica do ser humano sem nenhuma apreciação mais criteriosa e verdadeira dos fatos, o que predestina o suspeito/acusado/o ex-presidiário à condenação e ainda dá margem para ação de um poder paralelo, ilícito, mas que permite em nome do conservadorismo, da ausência de justiça social, a pena de morte para os menos favorecidos.

Pesquisa do Datafolha divulgada em novembro do ano passado revelou que 57% dos brasileiros concordam com a tese segundo a qual “bandido bom é bandido morto”, numa confissão explicita de que a sociedade brasileira manipulada continua conservadora, reacionária, punitivista. O que ainda impera por aqui é a Lei da força. Tipo quem “pode mais não chora”, que tem se sustentado graças à mídia populista. Ao jornalismo policial.

Tenho acompanhado as barbáries e muitas mortes nos cárceres brasileiros com muita inquietação e temor. E na condição de operador do Direito, sei que lamentavelmente, estes fatos aterrorizantes cometidos e mostrados vez por outra em presídios são comuns sim, e se constituem num protótipo do que acontece dentro dos demais presídios brasileiros, cujo sistema carcerário há décadas está falido, porque o Poder Público, além de banalizar as Praticas de Prevenção, sempre banalizou as Políticas Públicas Restaurativas e  Inclusivas, que é o objetivo final da pena.

Escutamos isso todos os dias na mídia, em especial, na mídia televisiva: “Bandido bom é bandido morto”. Inclusive é comum antes de noticiar mortes ou chacinas contra criminosos, desvaloriza-los como ser humano, e seus antecedentes criminais serem usados como justificativa; tipo autorização, para consentir em suas mortes/execuções.

Os defensores dos direitos humanos, dos direitos a vida de cidadãos civis ou militares são constrangidos, por essa corrente (que é legitimada pela mídia populista) que prega revanche e não justiça de acordo com a lei.  O Judiciário é duplamente omisso porque a ele cabe o papel de sustentar e garantir os princípios constitucionais que são humanistas e democráticos, mesmo contrariando esse segmento que é majoritário na sociedade (que ganha força porque é sustentado com o aval da mídia populista), porém apesar de majoritário é ilegal e imoral.
  

*Conceição Cinti. Advogada e Educadora. Especialista em Restauração de Dependentes em Substancias Psicoativas e delinquência Juvenil. Com experiência de mais de três décadas. Palestrante e Colunista. 


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