segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Investimentos em políticas públicas de recuperação de dependentes químicos devem ser monitorados com mais precisão para que a recuperação aconteça de fato


Além do acolhimento, a garantia na sequência do tratamento, com início, meio e fim, é extremamente importante na ressocialização/recuperação de um dependente de drogas.


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Investimentos em polticas pblicas de recuperao de dependentes qumicos devem ser monitorados com mais preciso para que a recuperao acontea de fato
Ainda sobre o tratamento de dependentes de Substâncias Psicoativas (SPA), o amplo entrosamento de todos os segmentos que têm conhecimento e experiência prática sobre esse tipo de epidemia precisa ser respeitado. Sem isso, teremos uma solução capenga e ainda mais demorada para se obter resultados, o que significa mais cadáveres (lembrando o renomado jurista argentino Rául Zaffaroni). Quem conhece as características do crack sabe que as consequências desse tipo de droga são velozes e devastadoras.
Alguns já têm conhecimento de que o tratamento dos dependentes químicos tem início com o acolhimento, porém, muitos ainda confundem ‘recolhimento aleatório’ com acolhimento. Essas duas ações são totalmente diferentes. Diferentemente do recolhimento aleatório, o acolhimento pressupõe envolvimento humanitário e afetivo, que se constitui no eficaz amparo a alguém em total estado de vulnerabilidade sem que haja desrespeito aos direitos fundamentais do ser humano.
Ainda sobre a fase do acolhimento, considero uma das mais importantes no tratamento do dependente. Dessa etapa depende o êxito das demais, porque é nela que surge a empatia entre o paciente e a equipe. É nela que todo esforço dos profissionais envolvidos deve estar voltado para cativá-lo. Esse fato determinará o surgimento de um ‘comando’ e a aceitação do paciente em se deixar conduzir. Contudo, isso só é possível dentro de um contexto de respeito incondicional ao paciente.
Mesmo tendo ciência da importância dessa aproximação, muitos profissionais atuam de forma preconceituosa e indiferente em relação aos dependentes químicos de baixa renda, o que pode prejudicar todo processo de restauração do paciente. Por isso, é imprescindível que os profissionais que acompanham dependentes químicos se livrem de seus preconceitos e busquem cada vez mais acolher, ouvir e entender para tratar os pacientes de forma adequada, contribuindo para o sucesso do tratamento.
Além disso, é preciso uma mudança de olhar por parte do gestor desse tipo de programa. O mesmo que deve criar e implantar políticas públicas restaurativas e medidas socioeducativas no sentido de agregar valor à titulação acadêmica, que por si só não é suficiente para conferir ao gestor capacidade de administrar com êxito o recuperando.
Além do acolhimento, a garantia na sequência do tratamento, com início, meio e fim, é extremamente importante na ressocialização/recuperação de um dependente de drogas. O tratamento desses pacientes não deve, jamais, ter em vista o menor ônus aos cofres públicos, mas a continuidade das fases do programa, por meio das quais o recuperando vai aprendendo o passoapasso para se autodisciplinar e atingir o autocontrole sobre suas emoções, sentimentos e pensamentos. Somente essa disciplina o conduzirá à libertação da dependência.
É isso, salvo qualquer engano de minha parte, é o que ainda não parece bem definido pelo Governo. Talvez essa indefinição ainda esteja acontecendo devido ao grande número de dependentes, à falta de espaço físico adequado, além de pessoal capacitado e em número suficiente para atender adequadamente à demanda.
O certo é que, até o presente momento, não temos informações transparentes sobre como está acontecendo na prática a sequência do tratamento oferecido pelo Poder Público ao dependente químico de baixa renda. Um exemplo disso são os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que infelizmente ainda não têm um critério de atendimento que possibilite fácil acesso ao paciente de forma a assegurar que o recuperando dê continuidade ao tratamento.
Ao analisar o atendimento prestado por esses Centros Públicos, onde os pacientes são medicados e retornam para o convívio natural, podemos perceber que estes muitas vezes saem fisicamente mais fortalecidos em relação aos seus vícios, indo direito para as ‘bocas’ ou bares a fim de continuar a usar drogas. Isso acontece porque não é dada a eles nenhuma garantia de que irão prosseguir em tratamento. Percebe-se, portanto, que o atendimento realizado pelos CAPS não alcança seu objetivo e se constitui em mais um procedimento higienista de ruas que visa apenas o retorno político.
Maria da Conceição Damasceno Cinti
Advogada e educadora. Precursora da Educação Restaurativa, com experiência de mais de três décadas em tratamento de dependentes de substâncias psicoativas e em delinquência juvenil. Palestrante e autora do blog http://educacaorestaurativa.blogspot.com.br/

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