*Cristiane Batista
Cerca de 300 meninos e meninas da
Califórnia (EUA) já foram condenados a “morrer” nas prisões por crimes
cometidos quando eram adolescentes, segundo relatório divulgado em fevereiro
deste ano pela organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch (www.hrw.org). Os Estados Unidos é o único país do
mundo onde as pessoas que eram menores de 18 anos na época do crime cumprem
penas de prisão perpétua, sem liberdade condicional. Atualmente, mais de 2.500
jovens estão cumprindo esse tipo de sentença na Califórnia. A Human Rights Watch calcula que, desde
1990, foram gastos entre US$ 66 e 83 milhões de dólares para encarcerar essa
população, custos esses que só crescerão à medida em que mais jovens estão
sendo condenados a passar o resto de suas vidas atrás das grades.
Apesar de as leis penais brasileiras
serem “menos duras” com os adolescentes que cometem ato infracional, o precário
sistema de medidas socioeducativas é tão punitivo quanto o exemplo
californiano, visto que os direitos básicos estabelecidos pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) não estão sendo assegurados e o Sistema Nacional
de Atendimento Socioeducativo (SINASE) não está cumprindo o papel
ressocializador. Na verdade, está massacrando a autoestima desses adolescentes
e os sentenciando a viver em uma realidade violenta - algo longe de contribuir
para a reintegração à vida familiar e comunitária. Esses jovens estão inseridos
em um contexto de ausência de oportunidades, de direitos.
No Brasil, 17,8 mil adolescentes
cumpriam medida socioeducativa em 2009, de acordo com o Levantamento Nacional
do Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei realizado
pela Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do
Adolescente. A grande maioria, 16,2 mil, era do sexo masculino. No mesmo ano, a
União investiu R$ 88.280.648,00 em programas e ações do Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei (Pró-SINASE),
enquanto somente R$ 21.996.850,00 foram destinados ao Sistema de Garantia dos
Direitos da Criança e do Adolescente. A informação é do Sistema de
Monitoramento do Investimento Criança (SimIC), desenvolvido pelo Fundo das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF), com a consultoria da Associação
Contas Abertas.
E qual a origem desses jovens
brasileiros que vieram a cometer ato infracional? Grande parte deles é de
famílias de baixa renda e tiveram pouco ou nenhum acesso às políticas
públicas básicas, como saúde e educação. São meninos e meninas que viveram em
um contexto social exclusivo, de ausência de direitos. Prova disso, são as
informações do estudo realizado pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do
CNJ, com base nos dados colhidos pelo Departamento de Monitoramento e
Fiscalização do Sistema Carcerário (DMF) entre julho de 2010 e outubro de 2011.
O levantamento revelou que dos 1.898 adolescentes em regime de privação de
liberdade que foram entrevistados, cerca de 60% possuíam entre 15 e 17 anos, e
que mais da metade deles não frequentava a escola antes de ingressar na unidade
de internação. A maioria desses adolescentes parou de estudar aos 14 anos. E a
mais triste realidade: 8% deles não sabem sequer ler ou escrever. Porque então
não está sendo feito um rígido controle da evasão escolar? O que falta para
isso? Dinheiro não é.
Como se não bastasse a ausência do
Poder Público no sentido de gerar educação de qualidade e oportunidades a esses
jovens, eles ainda são arduamente criminalizados pela sociedade e pela mídia.
De um lado estão os veículos de informação que, em grande parte, supervalorizam
os atos infracionais cometidos pela criança e pelo adolescente em vez de
abordar o histórico social a que eles foram submetidos, ou até mesmo apontar a
carência, ou melhor, ausência de políticas públicas que atendessem às
necessidades básicas desses jovens. Do outro lado, está a sociedade civil – que
pede rigidez na punição dos jovens em conflito com a Lei porque é VÍTIMA da violência.
Agora eu me pergunto: no caso do
Brasil, qual a efetividade da punição precoce (redução da maioridade penal) de
um jovem que comete ato infracional? Está claro que punir esses adolescentes
mais cedo não será a solução para a situação violenta em que se encontra o
País, considerado o 20° país mais violento do mundo em 2010 (dados levantados
pelo Instituto Avante Brasil). Simplesmente não é racional ignorar o fato de
que crianças e adolescentes têm um grande potencial para mudar, crescer e
amadurecer. Acredito que os adolescentes em cumprimento de medidas
socioeducativas, no contexto e condições precárias em que elas são aplicadas no
Brasil, têm arrancadas para sempre as chances de se ressocializar.
Voltando ao caso da Califórnia: a
rígida medida punitiva aplicada a meninos e meninas que cometeram ato
infracional irá contribuir para a redução da violência no Estado? Porque esses
jovens, ainda em desenvolvimento psicossocial, não podem ter uma segunda chance
- de ser cidadão, sujeito de direitos? Essa atitude é, na verdade, uma sentença
de morte para esses jovens, que perdem tão cedo o direito de gozar de uma vida.
*Cristiane Batista é jornalista do
Institituto Avante Brasil (IAB) - Instituto da Prevenção do Crime e da
Violência (www.institutoavantebrasil.com.br).
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