***Conceição Cinti
Segundo
estudo feito pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), em parceria
com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o trabalho infantil, o fracasso
escolar, as desigualdades sociais e a baixa renda familiar são alguns dos
fatores determinantes para a evasão escolar.
Cerca
de 3,7 milhões de crianças e adolescentes entre quatro e 17 anos de idade estão
fora da escola no Brasil, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (Pnad/2009). Entretanto muitos são os fatores que cooperam para a
evasão escolar. Problemas provocados dentro da própria escola, como a
repetência escolar - motivada muitas vezes pela a falta de dinâmica dos professores
e pelas condições precárias das escolas, que por sua vez são esquecidas pelos
governantes federais, estaduais e municipais. Dificuldades de acesso à escola,
inexistência de transporte público, falta de espaço físico adequado, de
material didático básico, de merenda escolar são também aspectos
importantíssimos no sentido de manter o aluno dentro da sala de aula.
No
mundo globalizado em que vivemos, a inclusão digital das crianças e
adolescentes de baixa renda é um fato que não pode ser banalizado porque se
constitui em uma severa excludente, que tem contribuído para que o jovem se
marginalize precocemente e deixe a escola.
Há
12 anos, eu já recebia na Escola Restaurativa para atendimentos, meninos e
meninas que, diante da impossibilidade de ter um computador, praticava o furto
somente para ter acesso a uma “Lan House”.
Através
de um levantamento estatístico específico provavelmente iremos constatar que o
número de prisões por esse motivo continua aumentado, sobretudo nas pequenas
cidades, em razão da ausência de políticas publicas para dotar os espaços
escolares com tecnologia de ponta. Por outro lado, a Publicidade reforça a
necessidade de se “ter” produtos de última geração, invadindo e encantando o
imaginário social de forma que o incauto infanto-juvenil se vê na obrigação de
se inserir nesse contexto a qualquer preço.
Também
o Proerd - Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência, não é o
mais adequado para auxiliar a escola a resolver os problemas da violência,
apesar da boa intenção dos militares. Educador é educador. E Policial é
Policial. Ambas as profissões são importantes no contexto social, mas cada uma
tem uma missão própria dentro da sociedade. A Polícia Militar tem toda uma
formação para uma destinação especifica. Os educadores têm outra formação e
outra destinação.
Dentro
das escolas públicas municipais e estaduais não há dependentes químicos. Em
minha opinião, a presença da PM na condição de educadores, ao invés de atrair o
jovem dependente ou que está prestes a entrar em confronto com a Lei, provoca a
evasão desses alunos, que jamais buscarão a ajuda da escola. E nós sabemos que
o elo imprescindível para uma sociedade sadia é a escola e a família. Data
vênia, não é a escola e a polícia, por mais bem intencionada que esta esteja.
Segundo
o professor da Unifesp, Dartiu Xavier, estudos americanos já mostraram a
ineficiência do Proerd. Então, por que continuamos importando esse modelo?
Acredito que isso se deve ao fato de não termos alternativa. Além disso, o
programa conta com um excelente marketing. Pesquisas comprovam que projetos
dogmáticos, com ensinamento de cima para baixo, não funcionam. Um modelo único
não é eficaz, já que devemos levar em conta as características das pessoas que
serão atendidas, as especificidades de cada comunidade, faixa etária e classe
social. O que dá resultado para adolescentes e adultos jovens são os modelos
participativos. O importante mesmo é promover a interação entre os alunos e
focar na promoção da saúde e da educação. Não basta falar que usar substâncias
psicoativas faz mal à saúde. Isso pode despertar ainda mais a curiosidade
desses jovens.
Tive
a oportunidade de verificar “in loco” o que diz Xavier, principalmente nas
cidades do interior onde as pessoas de baixa renda são facilmente constrangidas
por aqueles de detém qualquer tipo de poder. A presença policial nas escolas
poderá até trazer a sensação de mais segurança aos professores - o que
reconhecemos ser um direito de todos previsto em lei -, mas reduz a
possibilidade da escola acolher os jovens dependentes de substâncias
psicoativas ou os que estão na iminência de praticar ato infracional. Essa
parcela de jovens não podem ser excluídos do contexto escolar! Pelo contrário,
se a escola se colocar como catalizadora da confiança desses jovens, serão
multiplicadas as chances de encaminhá-los para um futuro melhor.
Nesse
sentido, vejamos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB9394/96) e o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A legislação prevê que esgotados os
recursos da escola, a mesma deve informar o Conselho Tutelar do município. Há,
portanto, uma hierarquia a ser seguida na árdua tarefa de evitar a evasão
scolar, na qual o recrutamento da polícia militar não está previsto.
Aos
professores, o Poder Público deve melhores salários, condições de trabalho
dignas, capacitação e treinamento, para que aprendam a lidar com esse novo
perfil de aluno sem abrir mão de suas seguranças. Acredito que o ideal hoje,
dentro das escolas, seja a presença de uma vigorosa equipe multidisciplinar
composta por psicólogos, assistentes sociais e líderes que poderão ser
encontrados tanto no corpo docente, como no corpo discente. Essa interação
entre professores e alunos é necessária e altamente terapêutica contribuindo
para a formação ética e cívica do jovem que fará toda diferença no futuro
deles. Acredito que os conflitos entre alunos, alunos e professores,
professores e familiares de alunos, são existenciais e não devem extrapolar o
território escolar e familiar.
Para
que haja uma convivência pacífica no ambiente escolar, é necessário que haja
uma boa estrutura física, assim como um corpo docente capacitado e engajado em
promover a unidade da escola através da excelência na prestação de cada serviço
prestado e da atenção especial na gestão da escola como um todo.
É
importante ainda a criação de escolas em regime integral que ofereçam aos
jovens oportunidades de formação profissional, com cursos profissionalizantes
de ponta que se coadunem com o atual mercado de trabalho. Ainda, que ofereça
pelo menos duas opções de curso de línguas e capacitação digital. Assim,
teremos condições de não apenas prevenir, mas de capacitar meninos e meninas de
baixa renda a terem condições reais de competir por um futuro melhor.
Que
o esporte, a cultura e o lazer façam parte dessa malha interdisciplinar da
Educação Restaurativa, onde o entretenimento seja garantido como uma forma mais
ampla da inclusão social desses jovens alunos. Há verba para isso, há pessoas
vocacionadas e preparadas para isso. O que está faltando é a vontade politica.
Recentemente
- se é que podemos chamar de recente um fato que já vem acontecendo há quase
duas décadas -, penso que podemos enumerar o recrutamento de crianças e
adolescentes pelo tráfico de drogas como o principal fator da evasão escolar.
Ou seja, essa “nova” e perversa modalidade de “trabalho infanto-juvenil”, que
insere o jovem como agente ativo do tráfico (na embalagem e distribuição de
drogas, e até como soldados do tráfico colocado no “front”) não é confessada,
mas é um fato real e foi denunciado com riqueza de detalhes pelo rapper MV Bill em seu elucidativo
documentário “Falcão e os meninos do Trafico” que teve inicio em 1906. Apesar
de demonstrar a chocante realidade em que vivem as crianças e adolescentes de
baixa renda, nenhuma providência foi tomada pelas autoridades competentes.
Ainda no mesmo documentário, podemos constatar que muitos jovens começam a
trabalhar no tráfico para ajudar no orçamento da família – muitas vezes pela
ausência da figura paterna-, e terminam morrendo precocemente.
Uma
pergunta não quer calar: por que continuamos importando modelos inoperantes?
Por que insistimos por décadas em práticas que têm se mostrado ineficazes, como
os programas utilizados pelo Governo na restauração e na ressocialização dos
jovens em confronto com Lei? Tudo o que temos produzido nas últimas três
décadas é a dizimação dos jovens de baixa renda - o que venho denominando e
denunciando de “ O Holocausto Brasileiro”. A Educação Restaurativa é o único
caminho capaz de oferecer a esses meninos e meninas a chance de ter futuro mais
digno.
*Conceição Cinti. Advogada e Educadora.
Especialista em tratamento de Dependentes de Substâncias Psicoativas, com
experiência de mais de três décadas.
**Colaborou: Cristiane Batista.
Jornalista do IAB -Instituto Avante Brasil (Instituto da Prevenção do Crime e
da Violência).
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