LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*
A Guarda Civil Metropolitana (GCM) da cidade de São
Paulo com sua política de tolerância zero contra os moradores de rua (muitas vezes
truculenta), está se transformando numa máquina de enxugar gelo (com toalha
quente). Faz limpeza, mas antes de tudo étnica e racial. A pretexto de proteger
o patrimônio público, cada vez mais a GCM descamba para o caminho socialmente
errado, revelando sua verdadeira natureza de polícia do município, tal como a
PM é polícia do Estado (não da cidadania ou da democracia).
A política de tolerância zero utilizada como
instrumento de segurança pública é eminentemente repressiva e não ataca as
causas individuais e estruturais do gravíssimo problema social que ela procura
esconder. Só ilude a população e faz migrar os miseráveis, tal como ocorreu na
Cracolândia. Esse método, pelo que qualquer pessoa sensata pode captar,
tornou-se absolutamente inócuo para solucionar a enorme problemática social,
decorrente de um modelo econômico escravagista fundado na desigualdade e na
discriminação. O pior em tudo isso é o gasto público inútil. Os recursos são
escassos e, mesmo assim, mal empregados.
O que a população deveria saber é que por meio da tolerância zero o Estado (ou Município) procura neutralizar ou esconder o conflito social, tirar esse fato da nossa visibilidade, para assegurar a governabilidade, ou seja, a manutenção do poder, esquecendo-se da clássica trilogia impossível anunciada por Freud em 1920: governar, curar e educar – fonte: http://lagaceta.com.ar/nota/507683/policiales/subjetividad-cero.html
Quando estamos em véspera de eleição, prefeito mal
valorado, candidato do prefeito caindo nas pesquisas, algo precisa ser feito.
Esse algo útil para a construção de uma saudável convivência social, no
entanto, está longe da mera dispersão de mendigos, drogados e moradores de rua,
que revela mais a sensação de desespero (eleitoral) que a vontade séria de
resolver o problema na raiz.
É preciso reconhecer a limitação do humano. Nunca
jamais vamos conseguir o controle zero total na questão das drogas, da
violência de rua ou da criminalidade patrimonial, que não passam de sintomas
sociais das nossas profundas desarmonias socioeconômicas, que sempre ficam
completamente à margem do debate, inclusive no espaço midiático comprometido.
Qual seria a política correta? Nunca a
intolerância, sim, a tolerância às diferenças, às políticas de integração
social, à construção da cidadania. Nós necessitamos de mais escolas, não de
mais presídios. Mais espaços solidários, não de mais repressão. Mais
compreensão, não de mais expulsão. A mera dispersão dos moradores de rua, em
razão da sua inutilidade em termos de eficácia, só vem confirmar a suspeita de
que tudo é feito para dar satisfação aos anseios neoconservadores e populistas,
que não conseguem enxergar que a limpeza, o silêncio ou a negação do problema
só faz com que ele se agrave a cada dia. Em nossa vida, sempre que nos
deparamos com algum problema a primeira coisa que temos que fazer é jamais
ignorá-lo, jamais escondê-lo, dispersá-lo ou negá-lo: temos de nomeá-lo,
reconhecê-lo, discuti-lo e partir daí buscar a construção de soluções, ainda
que tenhamos que tocar o ponto nevrálgico da distribuição da renda ou da
invisibilidade do escravagismo secular.
*LFG – Jurista e professor. Fundador da Rede de
Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do
atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de
Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me:
www.professorlfg.com.br.
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