terça-feira, 29 de janeiro de 2013

População carcerária cresceu 6,8% em apenas seis meses



Recomendo esse excelente artigo do meu amigo Luiz Flávio Gomes

 



LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*

 
A fábrica de encarceramento no Brasil está funcionando eficazmente. O Brasil continua fechando escolas e abrindo presídios. Os últimos dados divulgados pelo DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional), referentes a junho deste ano, apontaram que o Brasil fechou o primeiro semestre de 2012 com um total de 549.577 presos, um montante superior em 34.995 detentos em relação a dezembro de 2011(Veja: Brasil fechou 2011 com 514.582 presos).

 

Assim, de acordo com os levantamentos realizados pelo Instituto Avante Brasil, em apenas seis meses (dez./11 – jun./12), a população carcerária brasileira cresceu 6,8%, percentual este que representou o crescimento carcerário de todo um ano, quando olhamos para 2007 e 2008, por exemplo. Trata-se, portanto, de um crescimento muito expressivo, sobretudo num lapso de seis meses. Esse crescimento sugere que podemos fechar o ano de 2012 com um aumento total de 14%, maior taxa desde 2004.

 

 

O maior crescimento percentual anual do país se deu entre os anos de 2002 e 2003 e até o momento não foi superado, já que neste período, houve um estrondoso aumento de 28,8% na população carcerária brasileira.

 

O crescimento no número de presos no Brasil é espantoso. Na última década (2003/2012), houve um aumento de 78% no montante de encarcerados do país. Se considerados os últimos 23 anos (1990/2012), o crescimento chega a 511%, sendo que no mesmo período toda a população nacional aumentou apenas 30%.

 

Contudo, tantas prisões não têm sido capazes de diminuir a criminalidade (o Brasil hoje é o 20º país que mais mata no mundo) nem tampouco de deixar a população brasileira mais tranquila, já que a sensação de pânico e insegurança é cada vez maior e a opinião pública clama por leis mais severas, redução da maioridade penal etc. (Leia: Política brasileira errada não reduz violência).

 

Por outro lado, tantos aprisionamentos também não têm evitado a reincidência nem tornado os encarcerados pessoas melhores, tendo em vista as condições indignas e desumanas de sobrevivência nas unidades prisionais (Veja: Relatório do Mutirão Carcerário 2010/2011). Diante desse cenário, surgem as indagações: O que fundamenta e para onde está nos levando todo esse encarceramento massivo, sobretudo de gente que não cometeu crime violento?

 

Com razão dizia o criminólogo norteamericano Jeffery: “mais leis, mais penas, mais policiais, mais juízes, mais prisões, significa mais presos, porém não necessariamente menos delitos. A eficaz prevenção do crime não depende tanto da maior efetividade do controle social formal (mais prisões), senão da melhor integração ou sincronização do controle social formal (polícia, justiça, penitenciárias) com o informal (família, escola, fábricas, religião etc.)” (veja García-Pablos e Gomes, Criminologia, 2010, p. 344). O Brasil é um exemplo de encarceramento massivo que diminui a criminalidade nem a sensação de insegurança da população.

 

*LFG – Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Estou no www.professorlfg.com.br.

 

**Colaborou: Mariana Cury Bunduky – Advogada, Pós Graduanda em Direito Penal e Processual Penal e Pesquisadora do Instituto Avante Brasil.



Sensacionalismo não ajuda no controle do crime

Recomendo esse excelente artigo do meu amigo Luiz Flávio Gomes
LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*
 
É bem verdade que o Brasil é o 20º país mais homicida do mundo (27,3 mortes a cada 100 mil habitantes), palco de verdadeira epidemia de violência (já que possui taxa superior a 10 mortes por 100 mil habitantes, conforme determina a OMS – Organização Mundial de Saúde), sinônimo de um país truculento, não pacífico.
É bem verdade que das unidades federativas, São Paulo vivencia uma onda de ataques, mortes, embates, extermínio, esquadrões da morte, violência em demasia. Há uma verdadeira crise na política de segurança pública. Tudo isso é verdade. Porém, temos que tomar cuidado com alguns sensacionalismos. Um exemplo: a matéria veiculada (22.11.12) no Jornal o Estado de São Paulo.
 
Tomando por base os dados da Secretaria de Segurança Pública do estado de São Paulo, o jornal anunciou que os casos de homicídios aumentaram 92% na capital ante outubro de 2011, passando de 78 para 150 (em outubro 2012). Ou seja, foram comparados números de homicídios de dois meses soltos (e não do período de um ano entre eles), quais sejam o de outubro de 2011 (78 mortes) e o de outubro de 2012 (150 mortes), anunciando o brutalmente assustador crescimento de 92% no número de mortes na capital. O percentual não é inverídico, mas não houve contextualização.
Não é possível tirar qualquer conclusão analisando-se apenas dois meses soltos, sem que se considere um período mínimo de, ao menos, um ano (o qual também não deixa de ser um lapso curto de tempo).
Faz parte das técnicas midiáticas, da era da espetacularização. Se a matéria não dramatizar não vende. O que vende é o sensacionalismo. A matéria é imediatista, articulada para a comoção e clamor social. Sensacionalista e que não retrata coerentemente o quadro de violência em São Paulo. Embora o número de homicídios dolosos na capital tenha, de fato, sofrido um aumento de 25% entre 2011 e 2012, já que no ano passado o número de mortes era 267 alcançando 333 homicídios em 2012 (levantamento do Instituto Sou da Paz), não há como ignorar a queda de 75% no número de assassinatos entre 2003 e 2011 (de 1.064 mortes violentas em 2003 passamos para 267, em 2011), situação que contribuiu sensivelmente para o Estado de São Paulo se destacar como o terceiro estado menos violento do país.
A população precisa ser devidamente informada. É fundamental a contribuição dada pelo jornalismo para o entendimento da realidade. Não podemos nunca dispensar a mídia. Ela é relevante. O que deveríamos desprezar é o sensacionalismo, que leva ao discurso do pânico, uma das técnicas utilizadas pelo populismo penal. O populismo midiático serve justamente para manipular parcela significativa da população, com o intuito de obter consenso e apoio, legitimando seus noticiários, ainda que sejam desprovidos (muitas vezes) de qualquer coerência temporal. Enfrentar uma problemática tão complexa e sistêmica como a violência exige seriedade e planejamento. Notícias midiáticas (chamadas sangrentas) e imediatistas não contribuem para conscientizar a sociedade, incitam e fomentam o clamor por mais enrijecimento penal e dureza com o crime, inclusive extralegal. Estão retornando os esquadrões da morte em São Paulo (O Estado de S. Paulo de 23.11.12, p. C1) e isso comprova a generalizada anomia (ausência da efetividade das normas).
*LFG – Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Estou no www.professorlfg.com.br.
** Colaborou: Natália Macedo Sanzovo, Advogada, Pós Graduanda em Ciências Penais, Pesquisadora e Coordenadora do Instituto Avante Brasil.
 

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Começa hoje a internação à força na Cracolândia


*Conceição Cinti

Essa é a manchete de hoje, no conceituado Jornal “O Estado de São Paulo”, para dar destaque à continuidade do Programa do Governo Estadual sobre o encaminhamento das pessoas de baixa renda, dependentes em Substâncias Psicoativas (SPA) principalmente, em crack, que vivem na região central da capital.

Um assunto muito complexo, muito polêmico, mas que precisa de uma solução.

Salvo qualquer engano, mas ressaltando a importância e a necessidade do zelo das entidades em defesa dos direitos humanos, em especial, da “Pastoral do Povo de Rua”, coordenada pelo Padre Júlio Lancellotti, no presente caso, a fiscalização continuada, “sem arredar  pé”,  me parece ser o  instrumento poderosíssimo que irá garantir os direitos fundamentais das pessoas e impedir que desmandos sejam mais uma vez cometidos contra esses enfermos pelo crack.

A fiscalização rigorosa pelas entidades, do encaminhamento dessas pessoas a locais adequados para tratamento é imprescindível (apesar do acompanhamento do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB) para evitar qualquer possível manobra para  apenas faxinar às ruas para implantação da revitalização do Centro de São Paulo, tão sonhada e perseguida por muitos governos e até hoje não alcançada.

A preocupação das entidades é pertinente porque sempre houve por parte dos governantes uma equivocada inversão de valores para atingir seus objetivos nessa área. É hora de priorizar a vida dessas pessoas vitimadas pelo crack, dando-lhes um encaminhamento apropriado e definitivo para que possam alcançar não apenas a restauração de suas vidas, mas alcançar a restauração com dignidade.

Nós especialistas na área sabemos que a dependência pelo crack é uma das mais severas e a compulsão pela droga leva o dependente a um circulo vicioso do qual ele não conseguirá sair por suas próprias forças, porque sua vontade fica integralmente comprometida com a próxima cachimbada e nesse ritmo prossegue até esvair todas as suas energias.

Estou falando de dependentes do crack e não usuários esporádicos que tiveram a sorte de não adquirir a dependência apesar de essa substância ser muito traiçoeira, onde centenas de jovens que desejam apenas experimentar não consegue mais sair sem ajuda externa.

Aliás, a preocupação das entidades citadas é indispensável porque é preciso de fato saber onde o Governo vai abrigar esse contingente das ruas, se sabemos que é precaríssimo o atendimento pelo Sistema Único de Saude (SUS) isso sem falarmos na grande demanda de doentes mentais que também precisam de um leito e agora precisamos também acolher e tratar a grande demanda advinda das ruas.

Fiscalizar é prevenir que desmandos sejam cometidos mais uma vez a esses míseros enfermos pelo crack. É dever não apenas das mencionadas entidades, mas de cada brasileiro que sabe da importância de vivermos numa sociedade sadia.

E o Poder Público tem por obrigação assegurar toda estrutura necessária para  propiciar o acolhimento e tratamento adequado para que o dependente venha adquirir autocontrole e liberdade para se libertar do vício que o aprisiona e o coloca à margem da sociedade.

*Conceição Cinti. Advogada e educadora. Especialista em Tratamento de Dependentes em Substâncias Psicoativa. Pesquisadora e colunista do www.institutoavantebrsil.com.br e outros demais renomados sites.

*Conceição Cinti. Advogada e educadora. Especialista em Tratamento de Dependentes em Substâncias Psicoativas, com experiência de mais de três décadas. Pesquisadora e Colunista do www.institutoavantebrasil.com.br e demais renomados sites.

 

 

Cracolândia um ano depois, e ainda muito o que aprender sobre o dependente



“Eu gosto de olhos que sorriem,
de gestos que se desculpam,
de toquesque sabem conversar
e de silêncios que se declaram”.
( Machado de Assis)

Acredito que apenas as pessoas que não têm familiaridade com a área de entorpecentes e dependência em substâncias psicoativa esperavam ver concretizada a revitalização do Centro de São Paulo com a retirada dos dependentes da Cracolândia número 1 da Capital.

Embora seja um assunto pouco falado e ainda sem credibilidade, a restauração de pessoas é perfeitamente possível, mas como tenho afirmado: difícil, demorado, doído e dispendioso, requerendo medidas específicas, começando com um acolhimento que inspire total confiança na pessoa do dependente, que em geral é uma pessoa com baixa estima e descrente na solidariedade humana, em razão do preconceito, da indiferença e dos abusos a que é submetidos constantemente.

Para que esse sonho se torne realidade, não podemos inverter a ordem das prioridades. A vida é mais relevante que a manutenção de qualquer patrimônio público. O correto por parte do Poder Público seria uma ação previamente programada e continuada, para a implantação de políticas públicas específicas relativas ao acolhimento e tratamento dos enfermos pelo crack, em completa situação de exclusão e que há anos transformaram aquele logradouro público em habitat.

Lamentavelmente, mais preocupados em dar uma resposta à pressão da mídia populista priorizaram a evacuação para faxina nas ruas, ao invés do acolhimento adequado aos enfermos pelo crack. Numa demonstração de força desnecessária e inoperante protagonizada pela Polícia Militar (que sem dúvida apenas cumpriu seu dever obedecendo ordens) sabiam de antemão que não fariam nenhuma apreensão de vulto, muito menos prisões significativas de traficantes, contribuindo apenas para a dispersão dos míseros adictos conforme, se pode constatar nas ruas do centro. Ao invés de se promover o imprescindível acolhimento, dificultou-se ainda mais a relação de confiança, que é a ponte para adesão ao tratamento de forma civilizada.

Apesar dos esforços empreendidos, ainda é muito grave a situação dos dependentes de entorpecentes no país, em especial, do dependente de crack. A situação exige mobilização conjunta do Poder Público e da Sociedade Civil, em busca de solidariedade e conscientização, bem como a participação de todos os brasileiros nessa luta, para que se possam evitar mais mortes, principalmente, de crianças e adolescentes que vêm sendo vitimados.

A título de sugestão, para evitar novos incidentes, bom seria que a implantação das políticas restaurativas fossem conduzidas por pessoas que têm familiaridade com o comportamento e os problemas inerentes aos dependentes em SPA, para evitar tragédia como a que ocorreu no RJ, quando um adolescente de 10 anos de idade, dependente de crack, ao se evadir para não ser abordado por agentes sociais, foi atropelado e veio a falecer.

O dependente de crack é alguém fortemente abalado psicologicamente, sempre muito desconfiado e arredio ao assédio de pessoas estranhas ao seu mundo; por essa razão é que se recomenda muita cautela nesse tipo de abordagem. Independente da classe social a que pertença, seja ele pobre ou rico, essa pessoa precisa de amparo urgente e tratamento adequado. Tratando-se de um dependente rico, a família sofre, mas pode administrar a parte financeira, evitando que essa pessoa cometa crimes para suprir seu vício. Mas a maioria dos dependentes são pessoas de baixa renda e desempregadas que para suprir a necessidade do seu vício poderão a qualquer momento surpreender atentando contra a vida alheia, que também precisa ser protegida pelo Poder Público.

Falando de outra forma, quero dizer que é preciso defender a vida incondicionalmente, e com maior empenho em relação ao dependente químico, que além de colocar a sua vida em risco iminente de morte, também poderá causa o mesmo dano à vida do próximo.

Às pessoas mais críticas que fazem acepção de pessoas e tem dificuldade de entender o porquê que um dependente precisa ser acolhido e tratado adequadamente, eu diria que em primeiro lugar que eles merecem toda atenção do Poder Público porque esse é um Direito Constitucional (art. 5º, CF/88) garantido a todos brasileiros independente de sua condição. Segundo, porque a nossa segurança pessoal depende muito do quão sadia é a sociedade em que vivemos.

Repetindo de outra maneira, se você não é capaz de amar o próximo a ponto de cooperar para que essa epidemia pelo uso de entorpecentes, em especial o crack, seja controlada, faça isso por você mesmo, e evite mais violência. Você pode ser a próxima vítima.

Entretanto, muito embora o acolhimento seja um momento importantíssimo na vida do dependente (seja ele voluntário ou obrigatório), ele é apenas a porta de entrada de um longo caminho que essa pessoa terá que percorrer para alcançar sua restauração definitiva e, exatamente por essa razão, é que não apenas na abordagem, mas em todas as demais fases do tratamento de um adicto é preciso garantir e deixar fruir abundantemente sobre esse tipo de paciente, o imprescindível afeto, através de todos os sentidos, para ajudá-lo a encontar a confiança em si mesmo e na equipe sob a qual ele estará subordinado. Esse paciente vai precisar obedecer a regras, aprenderá a ser disciplinado e a adquirir seu autocontrole, e somente poderá exigir com êxito esse tipo de resultado alguém em que ele de fato confie.

* Conceição Cinti. Advogada e educadora. Especialista em Tratamento de Dependentes em Substâncias Psicoativas, com experiência de mais de três décadas. Pesquisadora e Colunista do www.Institutoavantebrasil.com.br e outros renomados sites.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Liberar ou enfrentar as Drogas?

 
Conceição Cinti - Advogada e Educadora | Especialista em tratamento da dependência de substâncias psicoativas | Colunista do Instituto Avante Brasil e outros renomados sites

Ainda no primeiro semestre desse ano deverão ser votadas na Câmara dos Deputados algumas mudanças na Lei das Drogas. Por essa razão, há, por parte dos mais incautos, uma expectativa dicotômica a respeito dos entorpecentes: liberar ou enfrentar as Drogas?
Há mais de três décadas estudando e trabalhando com dependentes em substâncias psicoativas, conheço a complexidade desse problema (que é um problema multifacetado) e as dificuldades que temos de enfrentar para, de forma eficaz, vencermos a “guerra” contra a epidemia que vivemos, principalmente, pela dependência do crack e da cocaína.
O enfrentamento responsável e adequado é, na minha singela opinião, o único caminho para estancarmos o morticídio, principalmente de crianças e adolescentes de baixa renda que enveredam pelo trágico caminho das drogas.
Por essa razão, considero importantíssimo o conhecimento histórico de alguns posicionamentos adotados e dos resultados obtidos pelos países que liberaram o uso de entorpecentes, desde os que podem ser vistos como mais radicais: a exemplo da China no século XIX e da Suécia, que tiveram de voltar atrás por graves problemas sociais e de segurança, culminando em leis duríssimas na atualidade sobre o tema.
Notemos que também a experiência de Portugal na liberação parcial do uso de drogas fracassou. Além de não alcançar seu objetivo inicial que era de evitar uma epidemia causada pelo vírus HIV, através do uso das drogas, viu-se o aumento assustador do número de dependentes em tratamento hoje naquele país.
A Holanda, pioneira em tolerância com drogas leves desde os anos 70, não fechou os "Cafes" ("coffee Shops") especializados na venda de drogas leves, mas ao contrário do que esperavam os favoráveis à liberação, proibiu que fossem frequentados por estrangeiros, evitando dessa forma, o turismo das drogas. Gesto que sinaliza fortemente a necessidade de se manter controle sobre as drogas e, no caso, de garantir maior segurança aos nativos (ou nacionais).
Àqueles que são favoráveis, alerto: é preciso ficar muito atento com a sutileza da expressão “drogas leves”. Ora, droga é droga! Ilícitas ou lícitas precisam de nossa atenção e controle. As denominadas “leves” são sem dúvidas, a curto ou médio prazo, um batente ao acesso das drogas mais severas. Por essa razão, e pelas trágicas experiências na trajetória das drogas que tive a oportunidade de acompanhar, não posso entender como um país civilizado cogite em liberar essa peste à título de recreação. E você?
Quando digo que para o Brasil a única opção é o enfrentamento responsável e adequado é porque, ao contrário dos que afirmam os defensores da liberação dos entorpecentes leves no Brasil, os efeitos maléficos dos que foram por esse caminho são desencorajadores, sinalizando mais para a reflexão coletiva e indução de um pacto nacional para o enfrentamento.
Se analisarmos com a devida cautela, é fácil constatarmos que estão equivocados os argumentos favoráveis à liberação. Isso porque, ela por certo promoverá um BUM!!! Ou seja, com a ampliação, da já incontrolável, oferta de droga, o número (que já é enorme hoje) de "enfermos pelas drogas" e dependentes em SPA’s será incalculável.
O Brasil precisa dar início a esse enfrentamento, contando com responsabilidade e transparência o número de vítimas, ao invés de tentar a todo custo ocultar, por exemplo, o gravíssimo estado de comprometimento de adolescentes com menos de 15 anos e das crianças que há décadas vêm se iniciando nas drogas a partir da mais tenra idade (6, 7, 8 anos de idade).
Agora pergunto: por que motivos essas crianças e adolescentes iniciam nas drogas? Quer mesmo saber? Que tal ouvi-las?
 
 
 
Num país como o Brasil, onde o Sistema Único de Saúde (SUS) sempre funcionou de forma precária; onde, embora haja profissionais da saúde capacitados, não há verbas públicas destinadas de maneira suficiente. Onde estaria o equívoco? Na falta de dinheiro? Não. A União dispõe de orçamento para a saúde pública, falta mesmo vontade política, sem a qual nada será resolvido.
Neste mesmo país que tem a terceira maior fronteira em extensão territorial, divisa com quatorze países, dentre eles os maiores fornecedores de drogas, isso tudo versus um diminuto contingente de policiais federais, um serviço de inteligência ainda pouco consistente, carente de recursos tecnológicos para cobrir com eficiência e segurança essa fronteira, qual seria o resultado que não o trágico? Diante deste kit de obstáculos, o que esperar se não a epidemia de doentes por dependência química?
Diante de todo esse quadro, entendo que o enfrentamento responsável e adequado deva se iniciar pela Prevenção. E isso será possível por meio de Políticas Públicas Preventivas. E, sem dúvida, o centro principal dessa Política Pública de Prevenção há de ser a educação.
Entendo que se deva priorizar por uma integração entre urbanização e construção de escolas e bibliotecas nos bairros periféricos e carentes. É urgente a adaptação de prédios públicos onde funcionam escolas para que o modelo em regime integral passe a funcionar de imediato, concomitantemente com cursos profissionalizantes com demanda no mercado de trabalho, programa que permita a inclusão dos adolescentes e jovens ao trabalho. Lembram-se do vídeo e do sonho daquele garoto?
Investimento maciço no esporte, cultura, arte, lazer... transcrevendo parte da narração do vídeo acima “duas necessidades básicas: afeto e alimentação; a falta de afeto faz com que cresçam duros e frios e a desnutrição traz grandes perdas para o seu desenvolvimento físico e mental – pequenos monstros!”.
Daí, saliento mais uma prioridade: a família. É preciso que o Poder Público aja, através de seus agentes sociais, de modo a integrar a família com a escola, de modo a trazer-lhes a responsabilidade pelo melhor e adequado acolhimento desses filhos, desses alunos, conscientizá-los da importância do afeto, dando-lhes suporte físico e material para o desenvolvimento saudável destas crianças.
Isso sim eu chamo de enfrentamento às drogas. Se assim agir o Estado, não há dúvidas, haverá o dia em que não será necessário legalizar droga alguma!
Mas para tudo isso é preciso muita vontade política. Quando há vontade política tudo é possível de ser resolvido e controlado!
Por isso tudo, entendo que a liberação será um ato insano e oneroso ao país e que o enfrentamento responsável e adequado é de fato o único caminho para evitar esse massacre de nossas crianças e adolescentes que venho denunciando e denominando de "O Holocausto Brasileiro".

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

O CNJ PODE SER O DIVISOR DE ÀGUAS NA QUESTÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS APLICADAS AOS MENORES EM CONFRONTO COM A LEI!


*Conceição Cinti

Sabemos que o menor que pratica fato análogo a crime, para fins jurídicos, não comete crime, mas apenas ato infracional. Trata se apenas de uma opção desnecessária na terminologia, porque o menor comete sim, crime e assim como o adulto é preso e cumpre pena nas mesmas condições.
Na prática, no entanto, o menor que pratica ato infracional sofre medidas socioeducativas que, na maioria das vezes, equiparam-se a verdadeiras penas. Fazendo-se um paralelo aos condenados pela Justiça queremos alertar para alguns direitos que o reeducando precisa ter respeitado.
A Constituição Federal garante aos condenados pela Justiça (pessoas maiores que cometem crimes, com quem comparamos a situação dos reeducandos) alguns direitos. A começar pelo seguinte:
Art. 5º: XLV- “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”, isso na área civil. Entretanto, na área penal, opreceito constitucional assegura que a pena não ultrapassará da pessoa do condenado, ou seja, do autor do crime ou infração penal (no caso dos menores). Porém os operadores do direito e, principalmente os familiares dos menores em cumprimento de medidas socioeducativas, mormente, as privativas de liberdade, sabemos que na prática a situação vivenciada pelos "menores presos" em geral é inconstitucional, senão vejamos:
Com o menor em confronto com a Lei o tratamento não é diferente.
Quando se aplica uma medida socioeducativa de internação ao menor e ele poderá ser transferido para Unidades distantes de sua família, vislumbramos nesse fato uma verdadeira barbárie. Além de impedir a ressocialização pela impossibilidade de trabalhar os laços familiares, poderá comprometer letalmente a vida desse menor. Porque não há como comparar a sagacidade do menor da capital com o menor do interior. Apenas o fato dele pertencer a outro grupo (do interior), já é suficiente para ser mais “zoado”, abusado e morto mais facilmente. E quem responde por essas barbáries e possíveis mortes se o que acontece nos porões desses calabouços impera a lei do silêncio quando se trata de sumir com qualquer resquício que possa apontar um responsável por essas atrocidades?
Se para a ressocialização é necessário que a família participe da restauração do menor, o CNJ deveria proibir qualquer possibilidade de transferência desse menor, determinando que ele cumpra a medida socioeducativa na comarca em que reside. Se a Lei Maior garante que a pena não ultrapasse a pessoa do infrator, não vemos que esta garantia está sendo assegurada na hipótese, pois os pais e familiares do menor são penalizados, quando se veem impedidos de defender seus filhos porque não lhe é permitido acompanhar de perto todo o tratamento a que esses menores são submetidos. Não têm acesso fácil para visitar esse menor, quando têm notícias de supostas irregularidades praticadas contra seus filhos, nem têm o direito de falar através do telefone com seus filhos. Têm limites para levar algum suprimento alimentar diferenciado sendo que se sa be que em algumas unidades nem a quantidade nem a qualidade da alimentação servida é nutritiva o suficiente.
Aos pais que moram longe das Unidades deveria ser franqueado transporte público, assistência alimentar e acolhimento para pernoite como é o caso dos pais pobres que vêm do interior para visitar seus filhos na Capital porque os responsáveis por esses menores decidem sem pensar na condição de pobreza de sua imensa maioria.
Outro direito que deve ser assegurado ao menor é o direito à educação. De maneira ampla, a Constituição Federal prevê a educação no artigo 6º, como direitos sociais ao cidadão. No mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente – O ECA - reforça a norma constitucional com relação à obrigação do direito incondicional a Educação as crianças e adolescentes.
O menor, com muito mais necessidade deveria ter prioridade ao acesso à educação, independente de estar ele em conflito com a lei ou não. Digo mais. Com maior urgência, a educação aos menores em conflito com a lei deveria ser prioridade do Estado. E, como sabemos o menor reeducando nem sempre tem à sua disposição acesso a escola nem a cursos profissionalizantes que são imprescindíveis não só para sua autoestima, formação, mas, principalmente para quebrar o paradigma e melhorar sua condição de vida futura dando-lhe a oportunidade real de se tornar um profissional qualificado e com isso ter a chance de adquirir alguma autonomia financeira ainda que básica, mas que por certo terá um impacto positivo e ainda poderá evitar uma possível reincidência.
A maioria desses menores cumpre medidas socioeducativas sem nenhuma formação educacional e profissional quando é do domínio público que o trabalho e a escola dignificam e têm uma enorme relevância na restauração do ser humano. A maioria dos nossos jovens em cumprimento de medidas socioeducativas, hoje, são pobres, semianalfabetos, sem qualificação profissional, portanto sem nenhuma perspectiva de um futuro.
Esse tempo em que os menores passam “presos” à disposição do Estado, quase sempre em espaços físicos inadequados, ociosos e expostos aos mais diversos e perversos tipos de comandos precisam ser evitados por ser ilegal e desumano e para isso acreditamos que o CNJ possa ser o divisor de águas, para que esses menores tenham de fato e de direito acesso à ressocialização reconstruindo suas vidas para que possam retornar à sociedade com dignidade.
Porque é durante esse período de total vulnerabilidade desses menores à disposição do Poder Publico, é que lhe são subtraídos a maior parte da essência do ser humano que há nesses menores. É por essa razão que às vezes olhamos para uma criança que cronologicamente ou biologicamente é uma criança, mas já não vemos nela uma criança, tudo que conseguimos enxergar é apenas um delinquente, alguém repulsivo ao convivo social, rejeitado, porque para que se possa olhar e enxergar uma criança em alguém que já foi mutilada na sua dignidade é necessário que tenhamos a responsabilidade e a sensibilidade de enxergar na sua alma as feridas causadas pela indiferença de uma sociedade egoísta e posteriormente destroçada por um Poder Público deliberadamente fraco e inoperante para cumprir sua obrigação de acolher e tratar essas crianças e ad olescentes, mas não é compromissado com a dignidade humana das pessoas de baixa renda que são a maioria dos jovens presos desse imenso país pobre.
*Conceição Cinti. Advogada e educadora. Pós-graduada em Administração de Pessoas. Especialista em Tratamento de Dependentes de Substâncias Psicoativas, com experiência de mais de três décadas. Colunista do www.institutoavantebrasil.com.br e outros renomados sites.