segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Cracolândia um ano depois, e ainda muito o que aprender sobre o dependente



“Eu gosto de olhos que sorriem,
de gestos que se desculpam,
de toquesque sabem conversar
e de silêncios que se declaram”.
( Machado de Assis)

Acredito que apenas as pessoas que não têm familiaridade com a área de entorpecentes e dependência em substâncias psicoativa esperavam ver concretizada a revitalização do Centro de São Paulo com a retirada dos dependentes da Cracolândia número 1 da Capital.

Embora seja um assunto pouco falado e ainda sem credibilidade, a restauração de pessoas é perfeitamente possível, mas como tenho afirmado: difícil, demorado, doído e dispendioso, requerendo medidas específicas, começando com um acolhimento que inspire total confiança na pessoa do dependente, que em geral é uma pessoa com baixa estima e descrente na solidariedade humana, em razão do preconceito, da indiferença e dos abusos a que é submetidos constantemente.

Para que esse sonho se torne realidade, não podemos inverter a ordem das prioridades. A vida é mais relevante que a manutenção de qualquer patrimônio público. O correto por parte do Poder Público seria uma ação previamente programada e continuada, para a implantação de políticas públicas específicas relativas ao acolhimento e tratamento dos enfermos pelo crack, em completa situação de exclusão e que há anos transformaram aquele logradouro público em habitat.

Lamentavelmente, mais preocupados em dar uma resposta à pressão da mídia populista priorizaram a evacuação para faxina nas ruas, ao invés do acolhimento adequado aos enfermos pelo crack. Numa demonstração de força desnecessária e inoperante protagonizada pela Polícia Militar (que sem dúvida apenas cumpriu seu dever obedecendo ordens) sabiam de antemão que não fariam nenhuma apreensão de vulto, muito menos prisões significativas de traficantes, contribuindo apenas para a dispersão dos míseros adictos conforme, se pode constatar nas ruas do centro. Ao invés de se promover o imprescindível acolhimento, dificultou-se ainda mais a relação de confiança, que é a ponte para adesão ao tratamento de forma civilizada.

Apesar dos esforços empreendidos, ainda é muito grave a situação dos dependentes de entorpecentes no país, em especial, do dependente de crack. A situação exige mobilização conjunta do Poder Público e da Sociedade Civil, em busca de solidariedade e conscientização, bem como a participação de todos os brasileiros nessa luta, para que se possam evitar mais mortes, principalmente, de crianças e adolescentes que vêm sendo vitimados.

A título de sugestão, para evitar novos incidentes, bom seria que a implantação das políticas restaurativas fossem conduzidas por pessoas que têm familiaridade com o comportamento e os problemas inerentes aos dependentes em SPA, para evitar tragédia como a que ocorreu no RJ, quando um adolescente de 10 anos de idade, dependente de crack, ao se evadir para não ser abordado por agentes sociais, foi atropelado e veio a falecer.

O dependente de crack é alguém fortemente abalado psicologicamente, sempre muito desconfiado e arredio ao assédio de pessoas estranhas ao seu mundo; por essa razão é que se recomenda muita cautela nesse tipo de abordagem. Independente da classe social a que pertença, seja ele pobre ou rico, essa pessoa precisa de amparo urgente e tratamento adequado. Tratando-se de um dependente rico, a família sofre, mas pode administrar a parte financeira, evitando que essa pessoa cometa crimes para suprir seu vício. Mas a maioria dos dependentes são pessoas de baixa renda e desempregadas que para suprir a necessidade do seu vício poderão a qualquer momento surpreender atentando contra a vida alheia, que também precisa ser protegida pelo Poder Público.

Falando de outra forma, quero dizer que é preciso defender a vida incondicionalmente, e com maior empenho em relação ao dependente químico, que além de colocar a sua vida em risco iminente de morte, também poderá causa o mesmo dano à vida do próximo.

Às pessoas mais críticas que fazem acepção de pessoas e tem dificuldade de entender o porquê que um dependente precisa ser acolhido e tratado adequadamente, eu diria que em primeiro lugar que eles merecem toda atenção do Poder Público porque esse é um Direito Constitucional (art. 5º, CF/88) garantido a todos brasileiros independente de sua condição. Segundo, porque a nossa segurança pessoal depende muito do quão sadia é a sociedade em que vivemos.

Repetindo de outra maneira, se você não é capaz de amar o próximo a ponto de cooperar para que essa epidemia pelo uso de entorpecentes, em especial o crack, seja controlada, faça isso por você mesmo, e evite mais violência. Você pode ser a próxima vítima.

Entretanto, muito embora o acolhimento seja um momento importantíssimo na vida do dependente (seja ele voluntário ou obrigatório), ele é apenas a porta de entrada de um longo caminho que essa pessoa terá que percorrer para alcançar sua restauração definitiva e, exatamente por essa razão, é que não apenas na abordagem, mas em todas as demais fases do tratamento de um adicto é preciso garantir e deixar fruir abundantemente sobre esse tipo de paciente, o imprescindível afeto, através de todos os sentidos, para ajudá-lo a encontar a confiança em si mesmo e na equipe sob a qual ele estará subordinado. Esse paciente vai precisar obedecer a regras, aprenderá a ser disciplinado e a adquirir seu autocontrole, e somente poderá exigir com êxito esse tipo de resultado alguém em que ele de fato confie.

* Conceição Cinti. Advogada e educadora. Especialista em Tratamento de Dependentes em Substâncias Psicoativas, com experiência de mais de três décadas. Pesquisadora e Colunista do www.Institutoavantebrasil.com.br e outros renomados sites.

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