“Eu gosto de olhos que sorriem,
de gestos que se desculpam,
de toquesque sabem conversar
e de silêncios que se declaram”.
( Machado de Assis)
de gestos que se desculpam,
de toquesque sabem conversar
e de silêncios que se declaram”.
( Machado de Assis)
Acredito que apenas as pessoas que não têm
familiaridade com a área de entorpecentes e dependência em substâncias
psicoativa esperavam ver concretizada a revitalização do Centro de São Paulo
com a retirada dos dependentes da Cracolândia número 1 da Capital.
Embora seja um assunto pouco falado e ainda sem
credibilidade, a restauração de pessoas é perfeitamente possível, mas como
tenho afirmado: difícil, demorado, doído e dispendioso, requerendo medidas
específicas, começando com um acolhimento que inspire total confiança na pessoa
do dependente, que em geral é uma pessoa com baixa estima e descrente na
solidariedade humana, em razão do preconceito, da indiferença e dos abusos a
que é submetidos constantemente.
Para que esse sonho se torne realidade, não podemos
inverter a ordem das prioridades. A vida é mais relevante que a manutenção de
qualquer patrimônio público. O correto por parte do Poder Público seria uma
ação previamente programada e continuada, para a implantação de políticas
públicas específicas relativas ao acolhimento e tratamento dos enfermos pelo
crack, em completa situação de exclusão e que há anos transformaram aquele
logradouro público em habitat.
Lamentavelmente, mais preocupados em dar uma
resposta à pressão da mídia populista priorizaram a evacuação para faxina nas
ruas, ao invés do acolhimento adequado aos enfermos pelo crack. Numa
demonstração de força desnecessária e inoperante protagonizada pela Polícia
Militar (que sem dúvida apenas cumpriu seu dever obedecendo ordens) sabiam de
antemão que não fariam nenhuma apreensão de vulto, muito menos prisões
significativas de traficantes, contribuindo apenas para a dispersão dos míseros
adictos conforme, se pode constatar nas ruas do centro. Ao invés de se promover
o imprescindível acolhimento, dificultou-se ainda mais a relação de confiança,
que é a ponte para adesão ao tratamento de forma civilizada.
Apesar dos esforços empreendidos, ainda é muito
grave a situação dos dependentes de entorpecentes no país, em especial, do
dependente de crack. A situação exige mobilização conjunta do Poder Público e
da Sociedade Civil, em busca de solidariedade e conscientização, bem como a
participação de todos os brasileiros nessa luta, para que se possam evitar mais
mortes, principalmente, de crianças e adolescentes que vêm sendo vitimados.
A título de sugestão, para evitar novos incidentes,
bom seria que a implantação das políticas restaurativas fossem conduzidas por
pessoas que têm familiaridade com o comportamento e os problemas inerentes aos
dependentes em SPA, para evitar tragédia como a que ocorreu no RJ, quando um
adolescente de 10 anos de idade, dependente de crack, ao se evadir para não ser
abordado por agentes sociais, foi atropelado e veio a falecer.
O dependente de crack é alguém fortemente abalado
psicologicamente, sempre muito desconfiado e arredio ao assédio de pessoas
estranhas ao seu mundo; por essa razão é que se recomenda muita cautela nesse
tipo de abordagem. Independente da classe social a que pertença, seja ele pobre
ou rico, essa pessoa precisa de amparo urgente e tratamento adequado.
Tratando-se de um dependente rico, a família sofre, mas pode administrar a
parte financeira, evitando que essa pessoa cometa crimes para suprir seu vício.
Mas a maioria dos dependentes são pessoas de baixa renda e desempregadas que
para suprir a necessidade do seu vício poderão a qualquer momento surpreender
atentando contra a vida alheia, que também precisa ser protegida pelo Poder
Público.
Falando de outra forma, quero dizer que é preciso
defender a vida incondicionalmente, e com maior empenho em relação ao
dependente químico, que além de colocar a sua vida em risco iminente de morte,
também poderá causa o mesmo dano à vida do próximo.
Às pessoas mais críticas que fazem acepção de
pessoas e tem dificuldade de entender o porquê que um dependente precisa ser
acolhido e tratado adequadamente, eu diria que em primeiro lugar que eles
merecem toda atenção do Poder Público porque esse é um Direito Constitucional
(art. 5º, CF/88) garantido a todos brasileiros independente de sua condição.
Segundo, porque a nossa segurança pessoal depende muito do quão sadia é a
sociedade em que vivemos.
Repetindo de outra maneira, se você não é capaz de
amar o próximo a ponto de cooperar para que essa epidemia pelo uso de
entorpecentes, em especial o crack, seja controlada, faça isso por você mesmo,
e evite mais violência. Você pode ser a próxima vítima.
Entretanto, muito embora o acolhimento seja um
momento importantíssimo na vida do dependente (seja ele voluntário ou
obrigatório), ele é apenas a porta de entrada de um longo caminho que essa
pessoa terá que percorrer para alcançar sua restauração definitiva e,
exatamente por essa razão, é que não apenas na abordagem, mas em todas as
demais fases do tratamento de um adicto é preciso garantir e deixar fruir
abundantemente sobre esse tipo de paciente, o imprescindível afeto, através de
todos os sentidos, para ajudá-lo a encontar a confiança em si mesmo e na equipe
sob a qual ele estará subordinado. Esse paciente vai precisar obedecer a
regras, aprenderá a ser disciplinado e a adquirir seu autocontrole, e somente
poderá exigir com êxito esse tipo de resultado alguém em que ele de fato
confie.
* Conceição Cinti. Advogada e educadora.
Especialista em Tratamento de Dependentes em Substâncias Psicoativas, com
experiência de mais de três décadas. Pesquisadora e Colunista do www.Institutoavantebrasil.com.br
e outros renomados sites.
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