Conceição Cinti - Advogada e Educadora | Especialista em tratamento da dependência de substâncias psicoativas | Colunista do Instituto Avante Brasil e outros renomados sites
Ainda no primeiro semestre desse ano deverão ser votadas na Câmara dos Deputados algumas mudanças na Lei das Drogas. Por essa razão, há, por parte dos mais incautos, uma expectativa dicotômica a respeito dos entorpecentes: liberar ou enfrentar as Drogas?
Há mais de três décadas estudando e trabalhando com dependentes em substâncias psicoativas, conheço a complexidade desse problema (que é um problema multifacetado) e as dificuldades que temos de enfrentar para, de forma eficaz, vencermos a “guerra” contra a epidemia que vivemos, principalmente, pela dependência do crack e da cocaína.
O enfrentamento responsável e adequado é, na minha singela opinião, o único caminho para estancarmos o morticídio, principalmente de crianças e adolescentes de baixa renda que enveredam pelo trágico caminho das drogas.
Por essa razão, considero importantíssimo o conhecimento histórico de alguns posicionamentos adotados e dos resultados obtidos pelos países que liberaram o uso de entorpecentes, desde os que podem ser vistos como mais radicais: a exemplo da China no século XIX e da Suécia, que tiveram de voltar atrás por graves problemas sociais e de segurança, culminando em leis duríssimas na atualidade sobre o tema.
Notemos que também a experiência de Portugal na liberação parcial do uso de drogas fracassou. Além de não alcançar seu objetivo inicial que era de evitar uma epidemia causada pelo vírus HIV, através do uso das drogas, viu-se o aumento assustador do número de dependentes em tratamento hoje naquele país.
A Holanda, pioneira em tolerância com drogas leves desde os anos 70, não fechou os "Cafes" ("coffee Shops") especializados na venda de drogas leves, mas ao contrário do que esperavam os favoráveis à liberação, proibiu que fossem frequentados por estrangeiros, evitando dessa forma, o turismo das drogas. Gesto que sinaliza fortemente a necessidade de se manter controle sobre as drogas e, no caso, de garantir maior segurança aos nativos (ou nacionais).
Àqueles que são favoráveis, alerto: é preciso ficar muito atento com a sutileza da expressão “drogas leves”. Ora, droga é droga! Ilícitas ou lícitas precisam de nossa atenção e controle. As denominadas “leves” são sem dúvidas, a curto ou médio prazo, um batente ao acesso das drogas mais severas. Por essa razão, e pelas trágicas experiências na trajetória das drogas que tive a oportunidade de acompanhar, não posso entender como um país civilizado cogite em liberar essa peste à título de recreação. E você?
Quando digo que para o Brasil a única opção é o enfrentamento responsável e adequado é porque, ao contrário dos que afirmam os defensores da liberação dos entorpecentes leves no Brasil, os efeitos maléficos dos que foram por esse caminho são desencorajadores, sinalizando mais para a reflexão coletiva e indução de um pacto nacional para o enfrentamento.
Se analisarmos com a devida cautela, é fácil constatarmos que estão equivocados os argumentos favoráveis à liberação. Isso porque, ela por certo promoverá um BUM!!! Ou seja, com a ampliação, da já incontrolável, oferta de droga, o número (que já é enorme hoje) de "enfermos pelas drogas" e dependentes em SPA’s será incalculável.
O Brasil precisa dar início a esse enfrentamento, contando com responsabilidade e transparência o número de vítimas, ao invés de tentar a todo custo ocultar, por exemplo, o gravíssimo estado de comprometimento de adolescentes com menos de 15 anos e das crianças que há décadas vêm se iniciando nas drogas a partir da mais tenra idade (6, 7, 8 anos de idade).
Agora pergunto: por que motivos essas crianças e adolescentes iniciam nas drogas? Quer mesmo saber? Que tal ouvi-las?
Num país como o Brasil, onde o Sistema Único de Saúde (SUS) sempre funcionou de forma precária; onde, embora haja profissionais da saúde capacitados, não há verbas públicas destinadas de maneira suficiente. Onde estaria o equívoco? Na falta de dinheiro? Não. A União dispõe de orçamento para a saúde pública, falta mesmo vontade política, sem a qual nada será resolvido.
Neste mesmo país que tem a terceira maior fronteira em extensão territorial, divisa com quatorze países, dentre eles os maiores fornecedores de drogas, isso tudo versus um diminuto contingente de policiais federais, um serviço de inteligência ainda pouco consistente, carente de recursos tecnológicos para cobrir com eficiência e segurança essa fronteira, qual seria o resultado que não o trágico? Diante deste kit de obstáculos, o que esperar se não a epidemia de doentes por dependência química?
Diante de todo esse quadro, entendo que o enfrentamento responsável e adequado deva se iniciar pela Prevenção. E isso será possível por meio de Políticas Públicas Preventivas. E, sem dúvida, o centro principal dessa Política Pública de Prevenção há de ser a educação.
Entendo que se deva priorizar por uma integração entre urbanização e construção de escolas e bibliotecas nos bairros periféricos e carentes. É urgente a adaptação de prédios públicos onde funcionam escolas para que o modelo em regime integral passe a funcionar de imediato, concomitantemente com cursos profissionalizantes com demanda no mercado de trabalho, programa que permita a inclusão dos adolescentes e jovens ao trabalho. Lembram-se do vídeo e do sonho daquele garoto?
Investimento maciço no esporte, cultura, arte, lazer... transcrevendo parte da narração do vídeo acima “duas necessidades básicas: afeto e alimentação; a falta de afeto faz com que cresçam duros e frios e a desnutrição traz grandes perdas para o seu desenvolvimento físico e mental – pequenos monstros!”.
Daí, saliento mais uma prioridade: a família. É preciso que o Poder Público aja, através de seus agentes sociais, de modo a integrar a família com a escola, de modo a trazer-lhes a responsabilidade pelo melhor e adequado acolhimento desses filhos, desses alunos, conscientizá-los da importância do afeto, dando-lhes suporte físico e material para o desenvolvimento saudável destas crianças.
Isso sim eu chamo de enfrentamento às drogas. Se assim agir o Estado, não há dúvidas, haverá o dia em que não será necessário legalizar droga alguma!
Mas para tudo isso é preciso muita vontade política. Quando há vontade política tudo é possível de ser resolvido e controlado!
Por isso tudo, entendo que a liberação será um ato insano e oneroso ao país e que o enfrentamento responsável e adequado é de fato o único caminho para evitar esse massacre de nossas crianças e adolescentes que venho denunciando e denominando de "O Holocausto Brasileiro".
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