quinta-feira, 5 de abril de 2012

DOR X ABSTINÊNCIA


Dor X Abstinência

Fonte da foto: Internet

*Conceição Cinti

A desintoxicação, em geral, é realizada por meio da suspensão do consumo de qualquer substância,  o incluindo-se o tabaco.

Há comunidades terapêuticas que optam pela retirada radical de toda e qualquer substância que cause dependência. Eu sou adepta da retirada radical, desde que o paciente não seja dependente de heroína.

No organismo do dependente, acostumado à porção diária da droga, é possível que, na fase inicial da desintoxicação, se instale a síndrome de abstinência. Os sintomas da abstinência podem ser leves ou severos, dependendo do estado físico e do grau de comprometimento da dependência.

Na síndrome de abstinência podem ocorrer sintomas físicos, que causam mal estar, podendo ser traduzidos por meio de tremores, transpiração excessiva, insônia, náuseas, vômitos, aceleração dos batimentos cardíacos,queda na pressão arterial, dores abdominais etc. Pode haver ainda alucinações, ansiedade e até convulsões, bem como sintomas que são queixas de que o dependente apresenta um quadro de ansiedade, medo, sensação de estar sendo perseguido.

É um sofrimento real, e esse sofrimento pode ser tão intenso e esmagador que necessita ser administrado com eficiência e compaixão pela equipe multidisciplinar. Embora de ordem psicológica, esse sofrimento é real e jamais poderá ser banalizado.

No caso do dependente em tratamento, a abstinência é provocada pela retirada da droga deliberada pela equipe multidisciplinar, com o acordo dos pais do recuperando e, às vezes, quando possível, com a anuência do recuperando.
  
Para isso, competentes profissionais, sejam em clínicas, comunidades terapêuticas ou outros espaços,  optam e trabalham com competência no gerenciamento da redução de danos. Nesses casos, é permitido ao dependente ingerir porção balanceada da substância que necessita, de acordo com cada caso e a cargo da equipe responsável.

Em minha opinião, os dependentes com severo comprometimento pela heroína necessitam dessa ingestão até que seu organismo volte a produzir novamente endorfinas.

Fora a heroina, nos demais casos, a minha experiência particular nas três décadas trabalhando como gestora da Equipe Multidisciplinar de Programas de Restauração de Dependentes de Substâncias Psicoativas, os registros de síndrome de abstinência foram mais frequentes que os da psicose tóxica (que foram ínfimos).

Nesses momentos, é fundamental a qualidade da preparação prévia, visando a criar um ambiente de confiabilidade entre o dependente e a equipe, para tratá-lo e persuadi-lo à  aceitação voluntária do programa de reabilitação; impõe-se encorajar o dependente a lutar e acreditar em sua capacidade de reverter a angustiante situação.

No trabalho no sentido de elevar sua autoestima ou de cercá-lo de todos os cuidados necessários, ter como integrante da equipe multidisciplinar um monitor ex- dependente faz toda a diferença na condução e na minimização da dor desse paciente.

O dependente é uma pessoa muito fragilizada, carente. Há entre os adictos toda uma linguagem própria dessa categoria; os sentimentos são intensamente verbalizados com poucas palavras e mais atitudes, comportamentos,  na maioria das vezes agressivos e desconexos. Eles se constituem num pedido de socorro, que é transmitido por sinalizações, expressões corporais e gestos.

Após três décadas na luta diária pela restauração de vidas, me convenci de que os sentimentos de um adicto, o olhar de um dependente que parece enigmático, fala com intensa transparência, mas só pode ser devidamente decodificado por meio da lupa generosa do olhar de alguém com experiência própria, como por exemplo, a presença na equipe multidisciplinar de um ex- dependente vocacionado para trabalhar nessa área, porque enfrentou as mesmas mazelas e vivenciou o horror da perversidade do mundo das drogas.

Desde que o mundo é mundo, o homem procura evitar o sofrimento; o que é possível por um tempo, nunca o tempo todo. Por exemplo, ao longo da nossa trajetória de vida para crescermos, amadurecermos e conquistarmos nossos sonhos, muitas vezes temos que enfrentar muitas adversidades ou a até, mesmo passar por experiências doloridas.

O mundo moderno tem um arsenal de práticas para evitar a dor. Hoje, desde criança somos ensinados a combater a dor ingerindo remédios, e grande é numero de pessoas que se tornam hipocondríacas. Mas, como ser humano, é impossível evitar por completo a dor, principalmente a psicológica, decorrente dos mais variados sentimentos.

Dificilmente somos ou estamos preparados para ouvir um não ou para enfrentar as perdas, e ai nos tornamos ainda mais frágeis diante dessa inevitável realidade a que todos estão sujeitos ao longo da vida.

Para cada alvo há um preço a ser pago, não é diferente com o dependente em SPA.

Sou adepta da overdose de afeto, carinho, generosidade, compaixão, oração, música, bom humor e menos drogas licitas ou ilícitas para ajudar o recuperando a superar suas dores e perdas. Esses ingredientes têm se mostrado poderosíssimos na elevação da autoestima, da autodeterminação do recuperando, ajudando-o a superar a dor com menos sofrimento.

A recompensa é a liberdade!  Infinitamente superior à dor das perdas, dos hábitos e costumes durante o processo de restauração. Afinal, tudo que um dependente tem são drogas: drogas de habitos, drogas de costumes e as drogas propriamente ditas. Nessa transposição, que podemos denominar até de uma pré-insanidade para a sobriedade, há um percurso dolorido, mas altamente recompensador porque desagua no autodomínio, autocontrole e na liberdade! 

*Conceição Cinti. Advogada. Educadora. Especialista em Tratamento de Dependentes de Substancias Psicoativas, com experiência de três décadas.


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