* Conceição Cinti. “O raciocínio é simples: País
que investe em educação, não precisa de tanto presídio. Porém, país que trata a
educação e seus educadores sem prioridade, apenas no discurso e não na prática
(como por aqui nossos governantes são especialistas em fazer), aumenta a
violência, caminha para a desigualdade social e escancara as…
Medellín, cidade colombiana que usou a urbanização
para reduzir a violência
“O raciocínio é simples: País que investe em
educação, não precisa de tanto presídio. Porém, país que trata a educação e
seus educadores sem prioridade, apenas no discurso e não na prática (como por
aqui nossos governantes são especialistas em fazer), aumenta a violência,
caminha para a desigualdade social e escancara as portas para a injustiça
social”. (Luiz Flávio Gomes).
A urbanização utilizada de maneira adequada pode
embelezar os espaços físicos e promover o precioso “upgrade” na autoestima dos
moradores de uma determinada região, podendo também ser um poderoso instrumento
de segurança, já que agrega elementos importantes como uma iluminação eficaz e
um bom serviço de limpeza pública, que facilitam o direito de ir e vir das
pessoas.
Nesse sentido, a moradia, direito básico do
cidadão, oferecida pelo Poder Público às famílias de baixa renda deveria
funcionar como agente inclusivo. Contudo, lamentavelmente algumas delas não
passam de verdadeiras ‘favelas oficializadas’ pois estão localizadas em áreas
excluídas do meio urbanizado. Conjuntos habitacionais em diminuta metragem de
área construída sobre um frágil alicerce (a um custo alto) que nem sequer
permitem ao futuro proprietário sonhar com uma reforma digna.
Também não há preocupação por parte do Poder
Público em preservar um espaço de uso comum para esses moradores, com estrutura
adequada para a prática de esporte, arte, cultura e entretenimento. Parece até
que ignoram o fato de essa ser a maior ferramenta de inclusão social, de
promoção da autoestima e da cidadania, alternativas poderosíssimas de prevenção
à criminalidade, que espreita com mais gula aqueles em situação de
vulnerabilidade.
A dignidade com certeza também passa pelo direito à
moradia, por isso é preciso empreender esforços para dotar essas áreas
denominadas “Conjuntos Habitacionais” de melhorias essenciais que agreguem
algum valor como, por exemplo, agências de banco cujo perfil seja atender a
maioria da população, supermercados populares, farmácias, igrejas e unidades do
“Sistema S” (SESI, SENAC, SENAI, SESC, etc.), que trabalham e primam pela
excelência no que fazem. A solução para alavancar o desenvolvimento da
população por meio da oferta de emprego e melhoria da qualidade de vida é
simples, mas parece ser ignorada pelos governantes, que não criam políticas
para facilitar o acesso dos investidores e empresários para que se instalem
nesses locais.
Cabe ainda ao Governo oferecer serviços essenciais
a esses locais, como Posto de Segurança (com veículo apropriado), Unidade
Médica (com a presença de psicólogos, assistentes sociais e ambulância
própria), Unidade Odontológica, capela, cemitério, telefonia pública e
biblioteca. Sem falar na imprescindível arborização e serviço de limpeza
pública seletiva, que além de oferecer segurança e bem estar à população,
agregariam valor ao empreendimento. Tudo isso é perfeitamente factível, basta
apenas vontade política.
A falta de vagas em berçários públicos nesses
“Conjuntos Habitacionais” é outro fator que impede o desenvolvimento local, por
muitas vezes impedir que as mães possam trabalhar sossegadas, sabendo que seus
filhos estão sendo bem cuidados, alimentados e seguros. A escola pública
deveria funcionar em tempo integral a fim de oferecer à criança e ao
adolescente, além da grade curricular referente ao Ensino Fundamental e Médio,
o ensino profissionalizante de ponta conforme demanda o mercado de trabalho.
Agindo desta forma, além de estar cumprindo seu
dever para com os jovens, o Poder Público evitaria a arregimentação precoce
desses meninos e meninas pelo crime organizado e reforçaria o imprescindível
elo entre a escola e a família, fortalecendo ambas as instituições. Mas além de
não termos uma educação de qualidade, ainda somos obrigados a assistir o
Governo investir o dinheiro do povo na construção de mais presídios, ao invés
de construir escolas.
Segundo estudo realizado pelo Instituto Avante
Brasil (www.institutoavantebrasil.com.br) a partir dos dados do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) houve expressiva queda na construção de
escolas brasileiras entre 1994 e 2009. Há 15 anos, existiam 200.549 educandários
registrados. Já em 2009, esse número caiu para 161.783. Por outro lado, o
número de vagas em presídios aumentou 450%, tornando o Brasil campeão mundial
neste quesito. Tínhamos em 1994 apenas 511 presídios. Em 2009, esse número
saltou para 1.806. E pasmem: seria necessário o dobro ou o triplo de vagas para
comportar o número de presos brasileiros, que em sua maioria são jovens, negros
e pardos, de baixa renda e, quase na totalidade, não alfabetizados.
Qual o diagnóstico de um país que viu decrescer em
quase 20%, em uma década e meia, o número de escolas e, no mesmo período, fez
crescer em 253% o número de presídios? Essa é a pergunta de muitos
especialistas, dentre eles, o renomado jurista Luiz Flávio Gomes, Doutor em
Direito Penal pela Universidade de Madri e Mestre em Direito Penal pela USP.
Para ele, esse é um triste sintoma de uma grave doença social.
Ao deixar nossos jovens isolados, acompanhados
apenas pela programação televisiva, eles serão assolados pela publicidade que
influencia o consumo do supérfluo, quando nem o básico lhe é garantido. Terão a
horrível sensação de impotência e desesperança e, por não vislumbrar nenhuma
perspectiva de futuro, o descaminho se torna o rumo mais fácil de ser tomado
por essa juventude frustrada.
As habitações populares, como já foi dito, ficam
longe do acesso ao emprego e, portanto, os moradores das periferias são
obrigados a enfrentar a tortura em que se constituiu a locomoção das pessoas de
baixa renda, cada vez mais sem opção de transporte público decente. O precioso
tempo que poderia ser compartilhado com a família é desperdiçado em detrimento
da incapacidade física, mental e psicoemocional gerada pelo estresse. Isso
tudo, somado ao preconceito, à indiferença e à injustiça imposta às pessoas de
menor renda tem causado graves feridas psicoemocionais que fazem grande
diferença, principalmente no comportamento dos adolescentes, que são seres em
fase de desenvolvimento.
Essa falta deliberada de planejamento dos
Governantes muito colaborou para o alastramento das drogas em todo o País
(sendo um exemplo clássico a implosão do Carandiru e a transferência dos presos
para o interior do Estado, num apelo aleatório e político que não resolveu a
violência da Capital e contaminou o interior de SP, que foi pego de surpresa).
Fato esse que dificultou ainda mais a já complicada situação dos jovens de
baixa renda, que se viram de repente influenciados por essas pessoas envolvidas
com o crime e, em virtude da falta de orientação por parte da família, da
sociedade e do poder público, passam a ser presas fáceis para os profissionais
do crime e, sem opção, iniciam sua breve caminhada para a morte.
Outro exemplo da falta de planejamento ou até mesmo
de desejo de mudança por parte dos governantes é a atual situação em que vive o
‘país do futebol’, como é conhecido o nosso Brasil. Em tempos de preparação
para a Copa do Mundo, assistimos de camarote a construção de grandes obras,
como estádios de futebol com dimensões e tecnologias absurdas para receber com
pompa principalmente o público que vem de fora e a parcela mais rica do nosso
país, ou seja, aqueles que têm condições de pagar caro por um ingresso para
assistir um jogo no nível de copa do mundo. O que nos falta diante desse
cenário é um olhar humano e crítico para perceber que essas obras estão em
desacordo com as reais necessidades dos brasileiros, em especial daqueles que
vivem em situação de vulnerabilidade e risco social. O que precisamos na
realidade é de uma urbanização humanística que leve em consideração o direito,
em especial de crianças e adolescentes, ao esporte e à arte como instrumento de
desenvolvimento pessoal e social.
O que poucos sabem é que o Brasil teve oportunidade
de conhecer experiências exitosas de projetos de urbanização que possibilitaram
o desenvolvimento de comunidades vulneráveis e qualidade de vida para os seus
moradores, como é o caso da Cidade Colombiana Medellín, mas não colocou em
prática. Motivada pelo desejo e necessidade de reverter a imagem de uma das
cidades mais violentas do mundo nos anos 80 do século XX, algumas atitudes
foram tomadas pelo poder público de Medellín, dentre elas projetos de
urbanização das áreas mais pobres da cidade. Contudo, o diferencial na cidade
de Medellín está no fato da política não se restringir a um conjunto de obras
faraônicas, como está acontecendo atualmente no Brasil, mas de projetos que
visam a prestação de serviços com excelência e capazes de atrair a comunidade
para as atividades que são oferecidas. É nesse sentido que o Brasil perdeu a
oportunidade de criar paralelamente com a construção dos grandes estádios de
futebol um centro de convivência onde as pessoas de baixa renda poderiam
exercer seus direito ao esporte, arte e lazer que é comprovadamente pedagógico
e preventivo. Essa é uma questão que precisa ser repensada para que o país
alcance não apenas títulos no futebol, mas na vida de cada cidadão brasileiro.
“O raciocínio é simples. País que investe em
educação, não precisa de tanto presídio. Porém, país que trata a educação e
seus educadores sem prioridade, apenas no discurso e não na prática (como por
aqui, nossos governantes são especialistas em fazer), aumenta a violência,
caminha para a desigualdade social e escancara as portas para a injustiça
social”. Mesmo com pensamentos como esse do jurista Luiz Flávio Gomes, infelizmente
tudo continua como antes: o Brasil continuará erguendo cadeias, quando
deveríamos estar construindo salas de aula e espaços apropriados para o
esporte, a cultura e o lazer. Temos cada vez mais presos e cada vez menos
pessoas que se preparam para um futuro menos desigual.
Vidas vulneráveis
Ainda segundo informações do Instituto Avante
Brasil, o País conseguiu diminuir o número de mortes de recém-nascidos e
prolongar a vida até a primeira infância, graças inclusive a alguns programas,
conduzidos assertivamente pelo Terceiro Setor. Em especial, quero destacar o
relevante trabalho da Pastoral da Terra, oportunidade em que não poderíamos
deixar de fazer uma menção honrosa à saudosa e amada Zilda Arns. Tanto esforço
empreendido para garantir a vida na primeira infância e, em um momento
seguinte, perder para a violência das drogas e do crime organizado. Isso é
lamentável.
Estudos realizados pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) sobre a situação da adolescência brasileira em
2011, revelam que a taxa de adolescentes e jovens entre 15 e 29 anos
assassinados a cada 100 mil habitantes, em 2009, foi de 43,2%, o que representa
a morte de 19 adolescentes e jovens por dia. No Brasil, nossas meninas também
são as maiores vítimas dos crimes sexuais. De acordo com dados da Secretaria
dos Direitos Humanos/Disque Denúncia, elas representam 80% das vítimas de
exploração sexual, 74% das vítimas de tráfico de crianças e adolescentes, 79%
das vítimas de abuso sexual e 73% das vítimas de pornografia. Pelas
estatísticas, comprova-se a alta vulnerabilidade das nossas crianças e
adolescentes em várias modalidades de delitos.
Você entendeu o que vem sendo feito na prática às
nossas crianças e adolescentes de baixa renda? Diante da gravidade das
estatísticas cabalmente provadas, há um verdadeiro massacre da população
infanto-juvenil em virtude da ausência do Poder Público, que deveria criar
Políticas Públicas direcionadas a essas famílias, capacitando-as para exercer
com responsabilidade o “Pátrio Poder” e Políticas Públicas de motivação às
famílias e às escolas sobre as vantagens em fortalecer o elo imprescindível
entre ambas. Além disso, promover um amplo e exaustivo debate com a sociedade
civil a fim de conscientizá-la de que a postura do preconceito e da indiferença
aos menos favorecidos só tem causado o destrutivo “Efeito Bumerangue”, onde
todos perdem.
Tem o Brasil autoridade para falar em acolhimento e
inclusão de crianças e adolescentes em confronto com a Lei? É ou não um
paradoxo esperar que o índice da criminalidade praticada por adolescentes seja
reduzido sem que haja o investimento adequado, uma obrigação do Poder Público?
Informe-se. Participe! Uma sociedade organizada e
informada é capaz de promover mais rápido as mudanças essenciais para a
preservação da vida em sociedade. A união é a força adequada para combater com
êxito a violência contra nossas crianças e adolescentes, o que venho
denominando de “O Holocausto Brasileiro”.
* Advogada e educadora. Precursora da Educação
Restaurativa, com experiência de mais de três décadas em Tratamento de
Dependentes de Substâncias Psicoativas e Delinquência Juvenil. Palestrante e colunistas
de alguns sites renomados. Autora do www.educacaorestaurativa.org
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