segunda-feira, 3 de junho de 2013

Urbanização e educação como agentes preventivos da violência

* Conceição Cinti. “O raciocínio é simples: País que investe em educação, não precisa de tanto presídio. Porém, país que trata a educação e seus educadores sem prioridade, apenas no discurso e não na prática (como por aqui nossos governantes são especialistas em fazer), aumenta a violência, caminha para a desigualdade social e escancara as…


Medellín, cidade colombiana que usou a urbanização para reduzir a violência

“O raciocínio é simples: País que investe em educação, não precisa de tanto presídio. Porém, país que trata a educação e seus educadores sem prioridade, apenas no discurso e não na prática (como por aqui nossos governantes são especialistas em fazer), aumenta a violência, caminha para a desigualdade social e escancara as portas para a injustiça social”. (Luiz Flávio Gomes).
A urbanização utilizada de maneira adequada pode embelezar os espaços físicos e promover o precioso “upgrade” na autoestima dos moradores de uma determinada região, podendo também ser um poderoso instrumento de segurança, já que agrega elementos importantes como uma iluminação eficaz e um bom serviço de limpeza pública, que facilitam o direito de ir e vir das pessoas.
Nesse sentido, a moradia, direito básico do cidadão, oferecida pelo Poder Público às famílias de baixa renda deveria funcionar como agente inclusivo. Contudo, lamentavelmente algumas delas não passam de verdadeiras ‘favelas oficializadas’ pois estão localizadas em áreas excluídas do meio urbanizado. Conjuntos habitacionais em diminuta metragem de área construída sobre um frágil alicerce (a um custo alto) que nem sequer permitem ao futuro proprietário sonhar com uma reforma digna.
Também não há preocupação por parte do Poder Público em preservar um espaço de uso comum para esses moradores, com estrutura adequada para a prática de esporte, arte, cultura e entretenimento. Parece até que ignoram o fato de essa ser a maior ferramenta de inclusão social, de promoção da autoestima e da cidadania, alternativas poderosíssimas de prevenção à criminalidade, que espreita com mais gula aqueles em situação de vulnerabilidade.
A dignidade com certeza também passa pelo direito à moradia, por isso é preciso empreender esforços para dotar essas áreas denominadas “Conjuntos Habitacionais” de melhorias essenciais que agreguem algum valor como, por exemplo, agências de banco cujo perfil seja atender a maioria da população, supermercados populares, farmácias, igrejas e unidades do “Sistema S” (SESI, SENAC, SENAI, SESC, etc.), que trabalham e primam pela excelência no que fazem. A solução para alavancar o desenvolvimento da população por meio da oferta de emprego e melhoria da qualidade de vida é simples, mas parece ser ignorada pelos governantes, que não criam políticas para facilitar o acesso dos investidores e empresários para que se instalem nesses locais.
Cabe ainda ao Governo oferecer serviços essenciais a esses locais, como Posto de Segurança (com veículo apropriado), Unidade Médica (com a presença de psicólogos, assistentes sociais e ambulância própria), Unidade Odontológica, capela, cemitério, telefonia pública e biblioteca. Sem falar na imprescindível arborização e serviço de limpeza pública seletiva, que além de oferecer segurança e bem estar à população, agregariam valor ao empreendimento. Tudo isso é perfeitamente factível, basta apenas vontade política.
A falta de vagas em berçários públicos nesses “Conjuntos Habitacionais” é outro fator que impede o desenvolvimento local, por muitas vezes impedir que as mães possam trabalhar sossegadas, sabendo que seus filhos estão sendo bem cuidados, alimentados e seguros. A escola pública deveria funcionar em tempo integral a fim de oferecer à criança e ao adolescente, além da grade curricular referente ao Ensino Fundamental e Médio, o ensino profissionalizante de ponta conforme demanda o mercado de trabalho.
Agindo desta forma, além de estar cumprindo seu dever para com os jovens, o Poder Público evitaria a arregimentação precoce desses meninos e meninas pelo crime organizado e reforçaria o imprescindível elo entre a escola e a família, fortalecendo ambas as instituições. Mas além de não termos uma educação de qualidade, ainda somos obrigados a assistir o Governo investir o dinheiro do povo na construção de mais presídios, ao invés de construir escolas.
Segundo estudo realizado pelo Instituto Avante Brasil (www.institutoavantebrasil.com.br) a partir dos dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) houve expressiva queda na construção de escolas brasileiras entre 1994 e 2009. Há 15 anos, existiam 200.549 educandários registrados. Já em 2009, esse número caiu para 161.783. Por outro lado, o número de vagas em presídios aumentou 450%, tornando o Brasil campeão mundial neste quesito. Tínhamos em 1994 apenas 511 presídios. Em 2009, esse número saltou para 1.806. E pasmem: seria necessário o dobro ou o triplo de vagas para comportar o número de presos brasileiros, que em sua maioria são jovens, negros e pardos, de baixa renda e, quase na totalidade, não alfabetizados.
Qual o diagnóstico de um país que viu decrescer em quase 20%, em uma década e meia, o número de escolas e, no mesmo período, fez crescer em 253% o número de presídios? Essa é a pergunta de muitos especialistas, dentre eles, o renomado jurista Luiz Flávio Gomes, Doutor em Direito Penal pela Universidade de Madri e Mestre em Direito Penal pela USP. Para ele, esse é um triste sintoma de uma grave doença social.
Ao deixar nossos jovens isolados, acompanhados apenas pela programação televisiva, eles serão assolados pela publicidade que influencia o consumo do supérfluo, quando nem o básico lhe é garantido. Terão a horrível sensação de impotência e desesperança e, por não vislumbrar nenhuma perspectiva de futuro, o descaminho se torna o rumo mais fácil de ser tomado por essa juventude frustrada.
As habitações populares, como já foi dito, ficam longe do acesso ao emprego e, portanto, os moradores das periferias são obrigados a enfrentar a tortura em que se constituiu a locomoção das pessoas de baixa renda, cada vez mais sem opção de transporte público decente. O precioso tempo que poderia ser compartilhado com a família é desperdiçado em detrimento da incapacidade física, mental e psicoemocional gerada pelo estresse. Isso tudo, somado ao preconceito, à indiferença e à injustiça imposta às pessoas de menor renda tem causado graves feridas psicoemocionais que fazem grande diferença, principalmente no comportamento dos adolescentes, que são seres em fase de desenvolvimento.
Essa falta deliberada de planejamento dos Governantes muito colaborou para o alastramento das drogas em todo o País (sendo um exemplo clássico a implosão do Carandiru e a transferência dos presos para o interior do Estado, num apelo aleatório e político que não resolveu a violência da Capital e contaminou o interior de SP, que foi pego de surpresa). Fato esse que dificultou ainda mais a já complicada situação dos jovens de baixa renda, que se viram de repente influenciados por essas pessoas envolvidas com o crime e, em virtude da falta de orientação por parte da família, da sociedade e do poder público, passam a ser presas fáceis para os profissionais do crime e, sem opção, iniciam sua breve caminhada para a morte.
Outro exemplo da falta de planejamento ou até mesmo de desejo de mudança por parte dos governantes é a atual situação em que vive o ‘país do futebol’, como é conhecido o nosso Brasil. Em tempos de preparação para a Copa do Mundo, assistimos de camarote a construção de grandes obras, como estádios de futebol com dimensões e tecnologias absurdas para receber com pompa principalmente o público que vem de fora e a parcela mais rica do nosso país, ou seja, aqueles que têm condições de pagar caro por um ingresso para assistir um jogo no nível de copa do mundo. O que nos falta diante desse cenário é um olhar humano e crítico para perceber que essas obras estão em desacordo com as reais necessidades dos brasileiros, em especial daqueles que vivem em situação de vulnerabilidade e risco social. O que precisamos na realidade é de uma urbanização humanística que leve em consideração o direito, em especial de crianças e adolescentes, ao esporte e à arte como instrumento de desenvolvimento pessoal e social.
O que poucos sabem é que o Brasil teve oportunidade de conhecer experiências exitosas de projetos de urbanização que possibilitaram o desenvolvimento de comunidades vulneráveis e qualidade de vida para os seus moradores, como é o caso da Cidade Colombiana Medellín, mas não colocou em prática. Motivada pelo desejo e necessidade de reverter a imagem de uma das cidades mais violentas do mundo nos anos 80 do século XX, algumas atitudes foram tomadas pelo poder público de Medellín, dentre elas projetos de urbanização das áreas mais pobres da cidade. Contudo, o diferencial na cidade de Medellín está no fato da política não se restringir a um conjunto de obras faraônicas, como está acontecendo atualmente no Brasil, mas de projetos que visam a prestação de serviços com excelência e capazes de atrair a comunidade para as atividades que são oferecidas. É nesse sentido que o Brasil perdeu a oportunidade de criar paralelamente com a construção dos grandes estádios de futebol um centro de convivência onde as pessoas de baixa renda poderiam exercer seus direito ao esporte, arte e lazer que é comprovadamente pedagógico e preventivo. Essa é uma questão que precisa ser repensada para que o país alcance não apenas títulos no futebol, mas na vida de cada cidadão brasileiro.
“O raciocínio é simples. País que investe em educação, não precisa de tanto presídio. Porém, país que trata a educação e seus educadores sem prioridade, apenas no discurso e não na prática (como por aqui, nossos governantes são especialistas em fazer), aumenta a violência, caminha para a desigualdade social e escancara as portas para a injustiça social”. Mesmo com pensamentos como esse do jurista Luiz Flávio Gomes, infelizmente tudo continua como antes: o Brasil continuará erguendo cadeias, quando deveríamos estar construindo salas de aula e espaços apropriados para o esporte, a cultura e o lazer. Temos cada vez mais presos e cada vez menos pessoas que se preparam para um futuro menos desigual.
Vidas vulneráveis
Ainda segundo informações do Instituto Avante Brasil, o País conseguiu diminuir o número de mortes de recém-nascidos e prolongar a vida até a primeira infância, graças inclusive a alguns programas, conduzidos assertivamente pelo Terceiro Setor. Em especial, quero destacar o relevante trabalho da Pastoral da Terra, oportunidade em que não poderíamos deixar de fazer uma menção honrosa à saudosa e amada Zilda Arns. Tanto esforço empreendido para garantir a vida na primeira infância e, em um momento seguinte, perder para a violência das drogas e do crime organizado. Isso é lamentável.
Estudos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre a situação da adolescência brasileira em 2011, revelam que a taxa de adolescentes e jovens entre 15 e 29 anos assassinados a cada 100 mil habitantes, em 2009, foi de 43,2%, o que representa a morte de 19 adolescentes e jovens por dia. No Brasil, nossas meninas também são as maiores vítimas dos crimes sexuais. De acordo com dados da Secretaria dos Direitos Humanos/Disque Denúncia, elas representam 80% das vítimas de exploração sexual, 74% das vítimas de tráfico de crianças e adolescentes, 79% das vítimas de abuso sexual e 73% das vítimas de pornografia. Pelas estatísticas, comprova-se a alta vulnerabilidade das nossas crianças e adolescentes em várias modalidades de delitos.
Você entendeu o que vem sendo feito na prática às nossas crianças e adolescentes de baixa renda? Diante da gravidade das estatísticas cabalmente provadas, há um verdadeiro massacre da população infanto-juvenil em virtude da ausência do Poder Público, que deveria criar Políticas Públicas direcionadas a essas famílias, capacitando-as para exercer com responsabilidade o “Pátrio Poder” e Políticas Públicas de motivação às famílias e às escolas sobre as vantagens em fortalecer o elo imprescindível entre ambas. Além disso, promover um amplo e exaustivo debate com a sociedade civil a fim de conscientizá-la de que a postura do preconceito e da indiferença aos menos favorecidos só tem causado o destrutivo “Efeito Bumerangue”, onde todos perdem.
Tem o Brasil autoridade para falar em acolhimento e inclusão de crianças e adolescentes em confronto com a Lei? É ou não um paradoxo esperar que o índice da criminalidade praticada por adolescentes seja reduzido sem que haja o investimento adequado, uma obrigação do Poder Público?
Informe-se. Participe! Uma sociedade organizada e informada é capaz de promover mais rápido as mudanças essenciais para a preservação da vida em sociedade. A união é a força adequada para combater com êxito a violência contra nossas crianças e adolescentes, o que venho denominando de “O Holocausto Brasileiro”.
* Advogada e educadora. Precursora da Educação Restaurativa, com experiência de mais de três décadas em Tratamento de Dependentes de Substâncias Psicoativas e Delinquência Juvenil. Palestrante e colunistas de alguns sites renomados. Autora do www.educacaorestaurativa.org




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