* Conceição Cinti
Tenho pensado muito sobre a violência
generalizada que estamos vivendo, em especial a violência que muitos de nós
deliberadamente produzimos com nossas próprias palavras. Diz a bíblia que a
língua é um dos menores membros do nosso corpo, mas tem o poder de vida e de
morte muitas vezes incalculável.
Muito se fala em homicídios
praticados por armas de fogo, inclusive, o Mapa da Violência 2013 - Mortes
Matadas por Armas de Fogo, divulgado em março de 2013, revela que 36.792
pessoas foram assassinadas a tiros em 2010, um número que mantém o país com uma
taxa de 20,4 homicídios por 100 mil habitantes, a oitava pior marca entre 100
nações com estatísticas consideradas relativamente confiáveis sobre o assunto.
Entretanto, muito pouco ou nada se fala sobre os assassinatos provocados pelas
palavras, que na verdade pode ser o principal instrumento de violência entre os
seres humanos.
Na verdade, com a língua afrontamos,
injuriamos, caluniamos, difamamos, insultamos e humilhamos as pessoas. Em
síntese através da língua deformamos a autoestima e ferimos almas, ou seja,
sentimentos e emoções, e são esses sentimentos feridos, que, embora invisíveis,
estão sempre por trás dos crimes mais hediondos, aqueles que ao assistir na
televisão não encontramos explicação ou simplesmente condenamos seus autores.
Não estou aqui defendendo autores de crimes, muito menos de homicídios, mas
provocando uma reflexão sobre o que pode levar um ser humano a acabar com a
vida do outro de forma tão cruel e, para nós, por motivo banal.
Para mim a língua é uma das armas mais
perigosas, mais que a bomba atômica, porque com a língua injetamos no ser
humano doses altas de ressentimento (e há aqueles que preferem injetar doses
homeopáticas) gestando dentro da pessoa o ódio, que adoece e deixa a alma
agonizante. Um homem com a alma ferida e com os sonhos e a esperança destruídos
é capaz de cometer insanidades que não podemos presumir.
A esperança ou a fé pode ser
considerada a mola propulsora que conduz o ser humano rumo aos seus objetivos
mais desejados. Sem esperança, não há sonhos, os projetos se perdem, a pessoa
passa a se sentir ninguém e por isso acredita cegamente que nada tem a perder.
Na verdade o peso da língua é capaz de amputar o amor próprio, a
autoestima, o orgulho de ser alguém e é nesse contexto que o cenário fica
pronto para que a tragédia aconteça e gere outras tragédias.
Mas a combustão se torna imediata e
seus efeitos devastadores aparecem quando entra em cena a sutileza da
indiferença. Afinal de contas já dizia o ativista político Martin Luther King:
‘O que me assusta não são as ações e os gritos das pessoas más, mas a
indiferença e o silêncio das pessoas boas’. Pessoas essas que possivelmente ao
longo de um determinado tempo vivenciaram e sentiram na pele humilhações e
também foram vítimas da indiferença que um dia vieram a protagonizar.
Depois da desgraça feita, da vida
ceifada, não dá para ver nem levar em conta o peso da subjetividade da ação que
na maioria das vezes a própria vítima desencadeou. Repito que não estou fazendo
apologia a quaisquer que sejam os motivos que levam uma pessoa a tirar a vida
de outra, até porque acredito que a vida é um dom de Deus e ninguém tem o
direito de tirá-la, mas estou querendo sim chamar a atenção para que
possamos ser mais cuidadosos, respeitosos nas nossas falas e sábios para
distinguir o que deve e o que não convém falarmos com o outro.
A forma como falamos com as pessoas e
as atitudes que expressamos na lida diária com aqueles ao nosso redor, desde os
mais íntimos (nossos familiares e amigos) até mesmo aqueles com quem temos uma
relação estritamente profissional faz toda a diferença. Há pessoas que por
imaturidade ou arrogância acham que têm o direito sobre a vida e sobre a morte
das pessoas que de alguma forma estão sob sua gestão. Engano crasso que
poderá tornar essa pessoa uma vitima de seu Eu gigante que o impede de enxergar
os direitos e a dignidade do outro.
Por traz da maioria dos assassinatos
cometidos por armas de fogo ou armas brancas está o verdadeiro motivo que faz
com que seres humanos apertem o gatilho, finquem uma arma branca sem dó ou
utilizem um arsenal mais sofisticado para ceifar a vida do outro com requintes
de crueldade, como se fosses verdadeiros animais. E o são, se considerarmos as
decisões instintivas que muitos serem humanos tomam motivados por sentimentos
menores.
Segundo o poeta J. Gaiaça: “o ser
humano é entre todos os seres vivos existentes o mais fascinante, mas também o
mais complexo, o mais surpreendente”. Essa conceituação do poeta por si só já
sugere cautela nas relações com esse ser inebriante, mas ao mesmo tempo uma
imprevisível criatura que tem facetas desconhecidas por ele próprio.
Refletir ainda que minimamente sobre nossas posturas no trato diário com
aqueles que tem parte do nosso DNA ou não é preciso. Por isso,
devemos sempre lembrar que as nossas atitudes diárias por anos a fio podem
determinar um destino feliz ou não para nós mesmos!
Primar pela harmonia das relações é
hoje uma forma eficaz de prevenir conflitos desnecessários. Nada que um
olhar de compaixão não possa perceber e evitar ou transformar uma possível
tragédia em benção. Se ainda não podemos contar com a nossa sensibilidade e
compaixão para com o outro que apelemos para o conhecimento que adquirimos
através da formação acadêmica que nos faz reconhecer que o outro também tem
direitos garantidos e que precisam ser respeitados. Eu ainda considero a
primeira opção mais verdadeira e eficaz para combater a gritante violência a
que assistimos todos os dias.
* Conceição Cinti é advogada e
educadora. Precursora da Educação Restaurativa, com experiência de mais de três
décadas em Tratamento de Dependentes de Substâncias Psicoativas e Delinqüência
Juvenil. Colunistas de alguns sites renomados. Autora do www.educacaorestaurativa.org.
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