quinta-feira, 11 de julho de 2013

Assassinato com palavras

* Conceição Cinti

Tenho pensado muito sobre a violência generalizada que estamos vivendo, em especial a violência que muitos de nós deliberadamente produzimos com nossas próprias palavras. Diz a bíblia que a língua é um dos menores membros do nosso corpo, mas tem o poder de vida e de morte muitas vezes incalculável.

 Muito se fala em homicídios praticados por armas de fogo, inclusive, o Mapa da Violência 2013 - Mortes Matadas por Armas de Fogo, divulgado em março de 2013, revela que 36.792 pessoas foram assassinadas a tiros em 2010, um número que mantém o país com uma taxa de 20,4 homicídios por 100 mil habitantes, a oitava pior marca entre 100 nações com estatísticas consideradas relativamente confiáveis sobre o assunto. Entretanto, muito pouco ou nada se fala sobre os assassinatos provocados pelas palavras, que na verdade pode ser o principal instrumento de violência entre os seres humanos. 

Na verdade, com a língua afrontamos, injuriamos, caluniamos, difamamos, insultamos e humilhamos as pessoas. Em síntese através da língua deformamos a autoestima e ferimos almas, ou seja, sentimentos e emoções, e são esses sentimentos feridos, que, embora invisíveis, estão sempre por trás dos crimes mais hediondos, aqueles que ao assistir na televisão não encontramos explicação ou simplesmente condenamos seus autores. Não estou aqui defendendo autores de crimes, muito menos de homicídios, mas provocando uma reflexão sobre o que pode levar um ser humano a acabar com a vida do outro de forma tão cruel e, para nós, por motivo banal.  

Para mim a língua é uma das armas mais perigosas, mais que a bomba atômica, porque com a língua injetamos no ser humano doses altas de ressentimento (e há aqueles que preferem injetar doses homeopáticas) gestando dentro da pessoa o ódio, que adoece e deixa a alma agonizante. Um homem com a alma ferida e com os sonhos e a esperança destruídos é capaz de cometer insanidades que não podemos presumir.

 A esperança ou a fé pode ser considerada a mola propulsora que conduz o ser humano rumo aos seus objetivos mais desejados. Sem esperança, não há sonhos, os projetos se perdem, a pessoa passa a se sentir ninguém e por isso acredita cegamente que nada tem a perder. Na verdade o peso da língua  é capaz de amputar o amor próprio, a autoestima, o orgulho de ser alguém e é nesse contexto que o cenário fica pronto para que a tragédia aconteça e gere outras tragédias.

Mas a combustão se torna imediata e seus efeitos devastadores aparecem quando entra em cena a sutileza da indiferença. Afinal de contas já dizia o ativista político Martin Luther King: ‘O que me assusta não são as ações e os gritos das pessoas más, mas a indiferença e o silêncio das pessoas boas’. Pessoas essas que possivelmente ao longo de um determinado tempo vivenciaram e sentiram na pele humilhações e também foram vítimas da indiferença que um dia vieram a protagonizar.   

Depois da desgraça feita, da vida ceifada, não dá para ver nem levar em conta o peso da subjetividade da ação que na maioria das vezes a própria vítima desencadeou. Repito que não estou fazendo apologia a quaisquer que sejam os motivos que levam uma pessoa a tirar a vida de outra, até porque acredito que a vida é um dom de Deus e ninguém tem o direito de tirá-la, mas estou querendo sim chamar a atenção para que possamos ser mais cuidadosos, respeitosos nas nossas falas e sábios para distinguir o que deve e o que não convém falarmos com o outro.

A forma como falamos com as pessoas e as atitudes que expressamos na lida diária com aqueles ao nosso redor, desde os mais íntimos (nossos familiares e amigos) até mesmo aqueles com quem temos uma relação estritamente profissional faz toda a diferença. Há pessoas que por imaturidade ou arrogância acham que têm o direito sobre a vida e sobre a morte das pessoas que de alguma forma estão sob sua gestão. Engano crasso que poderá tornar essa pessoa uma vitima de seu Eu gigante que o impede de enxergar os direitos e a dignidade do outro. 

Por traz da maioria dos assassinatos cometidos por armas de fogo ou armas brancas está o verdadeiro motivo que faz com que seres humanos apertem o gatilho, finquem uma arma branca sem dó ou utilizem um arsenal mais sofisticado para ceifar a vida do outro com requintes de crueldade, como se fosses verdadeiros animais. E o são, se considerarmos as decisões instintivas que muitos serem humanos tomam motivados por sentimentos menores. 

Segundo o poeta J. Gaiaça: “o ser humano é entre todos os seres vivos existentes o mais fascinante, mas também o mais complexo, o mais surpreendente”. Essa conceituação do poeta por si só já sugere cautela nas relações com esse ser inebriante, mas ao mesmo tempo uma imprevisível criatura que tem facetas desconhecidas por ele próprio. Refletir ainda que minimamente sobre nossas posturas no trato diário com aqueles  que tem parte do nosso DNA ou não é preciso. Por isso, devemos sempre lembrar que as nossas atitudes diárias por anos a fio podem determinar um destino feliz ou não para nós mesmos!

Primar pela harmonia das relações é hoje uma forma eficaz de prevenir conflitos desnecessários. Nada que um olhar de compaixão não possa perceber e evitar ou transformar uma possível tragédia em benção. Se ainda não podemos contar com a nossa sensibilidade e compaixão para com o outro que apelemos para o conhecimento que adquirimos através da formação acadêmica que nos faz reconhecer que o outro também tem direitos garantidos e que precisam ser respeitados. Eu ainda considero a primeira opção mais verdadeira e eficaz para combater a gritante violência a que assistimos todos os dias.   
  

* Conceição Cinti é advogada e educadora. Precursora da Educação Restaurativa, com experiência de mais de três décadas em Tratamento de Dependentes de Substâncias Psicoativas e Delinqüência Juvenil. Colunistas de alguns sites renomados. Autora do www.educacaorestaurativa.org.




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